domingo, 29 de dezembro de 2019
2020: uma odisseia na terra
domingo, 22 de dezembro de 2019
Gaspar
domingo, 15 de dezembro de 2019
O professor e a pós-verdade.
domingo, 8 de dezembro de 2019
Sucesso
domingo, 1 de dezembro de 2019
Café
domingo, 24 de novembro de 2019
Fracasso.
domingo, 17 de novembro de 2019
Homens comuns não olham para o céu
domingo, 10 de novembro de 2019
O efeito do malfeito é o defeito perfeito sem ter feito acordo com o sujeito
domingo, 3 de novembro de 2019
Rogério, o laboratório do céu não tem estrelas.
domingo, 27 de outubro de 2019
Padeiros do silêncio
Quantos poetas seguem silenciosos entre os passantes da rua?
Quantos miram os olhos na lua ensaiando o não dito?
Em uma multidão, quantos dão à escuridão o palco e escrito de suas palavras?
Quantas estrófes presas no regurgito, quantos versos sufocados no grito que nunca rasga a garganta?
Quantas Clarices, quantos Drummonds, quantos Alcântaras, sem emitir o som, da âncora de suas palavras tão necessárias?
Escondidos atrás de uniformes, de necessidade, de saúde, de trabalho e educação?
Quantos Bukowskis deixaram de escrever pelo caos que rege suas rotinas, pela falta de gasolina ou por não terem pago a conta de luz?
Quantos Nerudas seguem na rua usando surradas Bermudas e pedindo um trocado?
Padeiros travestidos no silêncio da roda que não para de girar.
Engolindo seco métrica e rima, rolando morro acima suas sinas, empurrando seus fardos inadaptados ao mercado.
No tempo em que a palavra é mais arma que afago, quantos Saramagos são calados pela necessidade? E se ao invés de mais armas e quartéis, tivéssemos mais Rachéis de Queiróz?
E se cada quina do mundo fosse um "Café Java" ou um "restaurante Iracema"? Imagine a cena!
Se se multiplicassem os Antônio Sales por todos os lugares, se houvesse em cada beco um Lívio Barreto?
Como seriam os ares? Hoje tão poluídos de blasfêmia e difamação vaga.
O fato junto à história atesta, a arte não cessa, ela está entre nós! Eles estão!
A míngua da poesia é a sua não declamação. Mas ela ainda segue escrita até achar outra língua de quem como com um choque dê ao coração novo batimento.
Como foragidos e anônimos, detentos com armas de transformação da alma, todos os dias, eles passam por entre nós, despercebidos, silenciados pela mão invisível, mirando o intangível, alargando o limite da razão.
Esperando o dia em que presenciarão novamente o rito que se conclamará na convocação:
"Padeiros do mundo, uni-vos!"
O mundo precisa de pão!
Júlio César
domingo, 20 de outubro de 2019
Eles não soltam a mão de ninguém!
...Seja bruto ou líquido é mais-valia
Imposto, obrigatório ou de livre vontade
Conquistado e expropriado
Certo ou errado, indepedente
Sempre há força em excedente
Daquilo que ainda chamam dignidade
Do boi morto no prato diário
Estado é a violência sutil
E porco, como somos, comemos tudo
Crendo abundante sermos
Ele é amigo-irmão do capital febril
Andam de mãos dadas e piscam nos olhando
Vendem tudo e não tem valor nenhum
Querem nossa própria percepção desapropriada
Do nosso espaço e do nosso tempo
Afinal, gostamos dos cacarecos e dejetos axiomáticos
Lá onde os tentáculos desses dois polvos ainda vão
Leviatã que ainda se expande e cresce
Com nossa energia e força voraz
Não é à toa que crianças brincam de Slime
Estética amorfa dos dois irmãos e amigos
A violência do extremo oposto que o fazem borbulhar
Para nos pegar sempre desapercebidos
E eles sorriem gargalhando
Aquilo que no fundo é nosso lento suicídio...
Jayme Mathias
domingo, 13 de outubro de 2019
Infante
Lira sempre foi forte, de um jeito que eu sonhava ser, bem como quando as telas nos iludem. Forte. Passava o dia inteiro mergulhada na vida, encontrava nas veredas sempre o destino, às vezes o acaso. Era de fácil conversa, de bom ouvido, daquelas que escutam o silêncio, ouvem o som do abismo.
Nunca esqueço o dia que teve uma conversa com um senhor de rua. Os céus sabiam dar seu tom ao diálogo, grunhiam, até tudo desabar sobre suas cabeças. Lira absorta, não ouvia os anúncios do céu, tinha ouvidos para o velho, ele era gigante, desmontou Lira.
Voltou pra casa debaixo da tempestade. A chuva era tanta que afogou suas lágrimas. Ninguém percebeu, era somente roupa molhada.
- Cuidado com o resfriado, tire essa roupa.
O vestido novo saiu, mas a roupa encharcada de sofrimento posta pelo velho, dormiu em seu corpo.
Daí em diante nada foi igual, o gosto das coisas mudou, as nuvens lembravam nada além de chuva.
- Antes elas tinham o peso do algodão.
As conversas encontraram novos rumos, estava perdida. Na estrada, as placas sinalizavam todos os caminhos, nenhum era ela.
De volta ao lar, só havia uma pessoa que poderia acionar o alarme de incêndio. Deságua em mim.
- Eu juntarei os seus pedaços.
Disse.
“Em mim”? Seria Lira… eu?
Paulo Victor de Albuquerque Silva.
domingo, 6 de outubro de 2019
Anagrama adaptado
Permaneço fatalista!
Sendo assim, não tente me dizer e mostrar que
Aquilo vejo é a metade cheia do copo e há terra a vista
Porque no final do dia
Não há luz no fim do túnel, não há saída
E não é ilusão achar que tudo dá certo no final, que a vida não é uma ferida que
"A esperança é a última que morre!"
no final, lembrarei o quão fatalista eu sou, o quanto o sangue escorre
E nada do que me digam vai me fazer crer que
existe um lado bom em tudo
Não importam quais os meios,
O fim não é suficientemente bom para ser celebrado, que ele é mudo, defronte das soluções e problemas alheios
Porque diante dos fatos não há argumentos que me façam crer que
Se não tá tudo bem é porque não chegou no fim, você vê
Porque cada vez que olho o quadro geral penso
Será que sou tão pessimista assim ?
(Leia, de baixo para cima)
Ps:
O que define o significado das pinturas é a maneira a qual olhamos para elas.
(Texto adaptado de Abdullah Shoaib)
Por Júlio César
domingo, 29 de setembro de 2019
Ratatatá !!
Aos pés de um pequeno balcão meio púlpito, meio palanque, permanece Clarisse. A cara pintada, mas não é palhaça, ao menos ela pensou que não fosse. Diante dela uma multidão branca, enfurecida, permanece Clarisse. Brados de pessoas que só gritam e nada ouvem, permanece Clarisse.
E fala em vão.
Espera por uma brecha para ir até o banheiro prantear na privada.
Não há intervalo.
Eu quero ir pra Dubai! eles bradam. Clarisse reza às 3 da manhã para que o salário caia logo logo, enquanto o escroto cliente a enraba por trás na frente das duas crianças. Clarisse levada à desalfabetização funcional para respeitar todos os pedidos da companhia aérea e todos os direitos aos clientes. Até onde vão os vouchers distribuídos por Clarisse? Até quando ela vai doar a alma para o bem estar da clientela? E os homens de direitos e deveres que a circundam e sorriem com ironia dizem: você vai perder o emprego, se não me garantir um voucher e um táxi. Clarisse arrombada. Dubai, Paris, Londres, qualquer nome desse é mais importante que o seu. Todos eles vão esquecer quando baterem uma selfie na Torre Eiffel, no Big Ben ou em qualquer símbolo que justifique enrabar e empalar Clarisse dia após dia, dando o nome disso de trabalho e dignidade. Charles ou Clarisse... os mesmos pedaços de carne que escafederam-se ao sabor do capital. Porque minha conexão para se batizar no Rio Jordão é sagrada, minha filha! Clarisse sendo esfolada pela selfie mal tirada e que muito provavelmente, dentro de horas será completamente esquecida num cartão de memória qualquer. Clarisse fudida pelos direitos de quem defeca a indigestão de tudo que engoliu de um sistema podre!
Clarisse indigesta. Traquitanas que giram a engrenagem movida à mão de obra humana, um moedor de cana onde jogam todos os dias homens e mulheres... Em nome do caldo que alimenta a tradicional família dos quintos dos infernos! Mal deglutida é Clarisse pelas camisas da cbf, e por quem brada que aeroporto é igual rodoviária e que a democracia causou tudo isso. Ela mesma, empalada Clarice, levada a acreditar que podia decidir, decidiu também por um número qualquer naquele dia fatídico. Papai, papai, escandaliza o pequeno Rubens! Quero chegar logo na Disney! Quero o Mickey, papai! Enquanto o pai vermelho como um pimentão, fode Clarisse sem dó nem piedade! Chame o gerente sua puta! Um número qualquer de protocolo e a própria Clarisse decide também, sem assim saber que fodia a si mesma, e Rubens, o Mickey e o papai também escolhiam por se autosabotarem, numa espécie de voyerismo na frente da plateia, que agora resolve colocar a mão na massa dos seus fetiches particulares, mas chamam isso de trabalho, dinheiro e dignidade. Quando os dois filhos de Clarisse, que nem sei o nome, porque também já fui engolido e deglutido por essa narrativa, enfim, quando eles iriam a Disney? Com essa pergunta na cabeça ela engaveta as etiquetas, sorri aos mesmos putos que desfilam chamando isso de direitos do consumidor, mas amanhã eles embarcam em paz e pra ela só mais um dia de trabalho normal. Seu chefe bate nas suas costas. Assustada como uma égua domada, ela olha para trás e ouve com medo: "Clarisse , hoje não há mais atraso!"
Por Jayme Mathias e Júlio Cesar
domingo, 22 de setembro de 2019
O lar de Fransquinha.
domingo, 15 de setembro de 2019
Luiz
Ah Luiz, se eles soubessem,
o quanto a vitória significa pra nós,
se conosco estivessem, engodados nos cegos nós,
debaixo do fogo na trincheira,
se subissem a ladeira,
descalços no sol do meio dia.
Ah se eles soubessem,
o quanto quisemos não ser quem somos,
para só então descobrirmos que não queremos ser mais ninguém além de nós mesmos.
Porque hoje, diante da ocasião, percebo que não existe esmo no êxito
e a persistência trata de ser apenas mais uma tentativa,
De resistência a loucura, de uma responsabilidade a qual não se opta, que se incuta nas costas de quem ainda não cuida nem de si.
E de repente carrega várias vidas na mochila, junto aos livros.
Ah Luiz se soubessem que a vida não escolhe, que ela não alisa,
que engole quem se encolhe, que não suaviza,
Que só há guisa de conclusão se for por meio da peleja
que de vez em quando, tomar uma boa cerveja é desafogar da pressão.
Que não há cereja no bolo
que não há perda sem dolo,
ainda que de um fim de semana de luxo da aldeia,
se antes não estiver na "pêia" de um UFC, onde os adversários são hidráulica e química,
se não correr na vêia a vontade de mandar a fitopatologia para o escambal.
Talvez, se eles soubessem Luiz, seriam gratos, gratos por tudo,
até pelo ossobuco, pelo feijão com gorgulho, pelo que se acha no meio do entulho,
talvez entendessem que o que importa não é o embrulho, mas o presente,
de viver com saúde e milagrosamente sorrindo de contente,
no final de um dia de cão.
Ah Luiz se se pudesse medir a luz que irradiava dos olhos de uma mãe, refletidos numa sala cheia de doutos e bacanas, pessoas de primeira, com vida ganha,
Em plena segunda feira de fim de semestre regular.
Se pudessem ver além da foto tirada do celular
o que se esconde por trás do diploma
Se se pudesse pesar as noites mal dormidas, os penares da vida, nenhum papel jamais obteria tal gramatura.
Talvez se eles soubessem, entendessem meu choro bobo,
ao soar da leitura da ata,
do Soares que realizou o sonho da mãe,
de falar bonito igual professor,
palavras complicadas que creio eu, talvez, a maioria ela não entenda,
mas que soavam mais belas que o poema que ensaio agora nessas linhas poucas.
De ver o "seu menino" transformar em páginas toda a dor em um projeto que mede o labor de quem tá no pé do morro, onde uma vez esteve e transformar toda dor em indicador de um caminho para viver melhor.
Como um farol que "alumia" a cumieira do morro é que morro de orgulho de ver o Luiz transformar linha de costura e algodão doce em sonho realizado, como se fosse mágica, só que não.
É Luiz quem diria, que a tal da "filusufia" daria as caras no final das contas, que faria mais uma vez meu dia melhor, só de ver a felicidade e o rasgo de elogios à "IDEA" de quem subiu comigo descalço a ladeira.
Por Júlio César
domingo, 8 de setembro de 2019
Erro gramatical
Sobre a má fala e má escrita, prefiro. Um texto sem defeito, só texto é. Sem pessoa. Texto intacto, duro, bem feito, é terrível. E do contrário, a maior delícia é ver um texto interessante que escorrega num erro gramatical. Ah! ali constatamos: "tem alguém, talvez". Não falo dos erros reproduzidos. Falo do erro genuíno, do erro bem feito. Esse é delicioso. O "foi sem querer" de alguém que escreve bem e escreve coisas interessantes. Um escorregar de uma letra a mais ou a menos, uma vírgula, um erro de concordância, uma repetição desnecessária, tão natural quanto o redemoinho que se infiltra no vento. Ele causa até surpresas, quem está lendo, ou ouvindo de repente desperta. Eu mesmo, quase dormindo, quando vejo isso, acordo, e, por isso, agora acordei de verdade para isso. Pois quero mesmo é que escorregue o artífice da gramática com suas regras. Vão para bem longe as traças de lupas que caçam tudo tristes nos textos. No fundo, sinto pena de um texto sem defeitos. E da fala, ave maria a pobezinha, como é chato ouvir alguém ouvindo tudo corretamente, bem de acordo, é impossível até acompanhá-lo até o fim, impossível até de conectar o raciocínio. Isso soaria bem para alguns pseudo-contentes, de ouvidos que não digerem bem e uma boca que vomita tudo, e diriam que ao menos isso saberíamos fazer bem, desobedecer, ele complemetaria, risonho, esse novo brasileiro nascente, patriota, verde verdadeiríssimo e de riso amarelo! Soaria bem para ele, mas nem se engane. Quem sabe fomos levados a separar as coisas, a produzir essa ideia, pois toda ideia é produzida, mas na maioria daz vezes reproduzida: aquele que fala bem é bem educado e faz coisas boas e puras e só ele tem mérito, ao passo que aquele outro que fala mal é ruim, pobre, misturado. Está aqui o cerne da coisa e isso vai até nossa ação. O pobre, mal educado, mal sucedido financeiramente e que fala errado são todos sinônimos. Se um rico, branco, bem educado, bem sucedido tropeça, trona-se doente, por que será? Apenas sei dizer inicialmente que o fato é que há capatazes na língua portuguesa. E eles têm nojo de quem escreve ou fala errado, claro, eles são lacaios, suas lanças com pontas de veneno estão apontadas contra nossa pobre liberdade – pobre, preta, indígena, trans, nova, sem nome, sem título e nesse veneno há muito da língua. Eu lá quero saber se é certo ou errado o jeito que falo ou escrevo. Há algo mais imbecil que caçar isso nos outros? Há algo mais incoveniente que essa tarefa de capataz gramatical a favor da escravidão latente em nós? Um erro gramatical é tomado também no meio acadêmico e educacional ou qualquer outro canto dito de alto nível uma falta de caráter, uma pobreza de espírito, uma descrença na capacidade intelectual tanto mais initeligível ele é. A que ponto chegou nossa escravatura, não querem deixar espaço para nada! Até em nossa fala e escrita, elas são reproduzidas para bem aprisionar. Por isso é que repito, é coisa triste falar e escrever correto e bem encadeado, em cada texto bem escrito vejo algemas, contratos de compras e vendas de escravos, chicotes, ferro em brasa, castigos, para que, embrutecidos e adestrados, não falem nem escrevam direito, porque não podem ter direito algum.
Por Jayme Mathias Netto
domingo, 1 de setembro de 2019
Teu olhar.
domingo, 25 de agosto de 2019
Releituras (a)gosto: Vox Populi
Eis que é chegada minha vez e hei de ser, logo hoje, nesse dia cinza e cheio de insensatez, o rei que com o dedo declara a queda no tabuleiro de xadrez.
No jogo de hoje, no entanto, todos perdem, pretos ou brancos, ledo engano!
Os pinos serão colocados dentro da caixa de madeira. Eu e vocês! Segue o plano! Onde amontoados, estaremos lado a lado, no escuro da impotência.
E logo eu, que não sou lá muito fã da raça humana, logo a mim foi legada a missão insana, de deixar a mensagem poética que intentava falar de algo que nos valesse.
Da ética ou da polidez de um povo que na busca pela sobriedade, só encontrou embriaguez.
Embriaguez do espírito, consumindo para si algo muito pior que álcool líquido, o veneno que escorre da mordida da víbora sorrateira, que com a língua bífida profere ser temente a Deus, enquanto aperta a presa indefesa que não concorda com os seus...
Queria chorar, mas não consigo. Queria abrigo. Onde não tivesse que escolher entre flutuar sobre um pato amarelo, no mar vermelho do sangue de trabalhadores enganados, ou dos menosprezados, pretos, pobres, minorias que pra os nobres "tem mais é que morrer!"
Difícil acreditar em tamanha fantasia, mas se olho de um lado vejo Franciscos e Marias depositando suas esperanças e alegrias em um falso Messias, que da palavra sagrada só levou em conta o apocalipse.
E, se viro a face, vejo de dentro do cárcere nove dedos regendo a orquestra da perpetuação de uma laia que esqueceu que, à parte de todos os malotes, tem sob os ombros a luz de todos os holofotes, apontando à espada de Dâmocles, que pendula sob a tensão de um fio de cabelo.
É gritante e, além, no mínimo paranóico. Que da polarização do povo heróico, o brado retumbante que se ouve é: "vai pra cuba! Vai pra Venezuela!"
Saudade daquele povo que só se preocupava com novela, pois, pelo menos nela, a ficção não saia nas ruas batendo panela, acreditando, vã, no fim da corrupção.
E a inteligência, hoje, nos põe em definitivo, na previdência da providência, vira burrice em sua essência e de nada nos impediu à chegada deste triste fim.
Ele sim,
ele não,
no final,
tanto faz!
Aqui jaz um pátria chamada Brasil.
Por Júlio César
Vivisseccao.blogspot.com
domingo, 18 de agosto de 2019
Releituras (a)gosto: Texto sem pretexto
O texto de hoje é sem pretexto. Política. Qualquer coisa, nem leia. Uma expressão multíplice de várias partes que querem virar texto. Um amontoado de retalhos que digo ser um “eu” no espelho. Vejo o velho Aristóteles em sua Política, li e reli, tinha muito a falar sobre sua Ética, li e reli sobre os demagogos, militares e tiranos. Tinha tanto a acrescentar, palavras belas a dizer, argumentos concisos para convencer, entender, refazer e como era belo, oh Deus! Mas afoguei-me no pensamento. Por isso o texto não fala de política nenhuma. “Que pena!” diz um leitor de dentro de mim, ardendo para se alegrar se a sua verdade fosse igual a minha ou para me destruir se não fosse, e, principalmente, ardendo para falar mal, discutir, caluniar, xingar e querer me matar. Afinal, não falar, não ter nada a dizer é como se tivesse faltando um braço ou uma perna hoje em dia. Não ter opinião é como se fôssemos doentes dos olhos ou sem ouvidos. “Burro, alienado, idiota” - utilizam palavras bonitas esses meus fantasmas, explicam a etimologia greco-latina das duas últimas. “O texto é assim mesmo, desconexo e por se fazer. Barroco.” Explica outro a tal da parte estética. “Orgulho-me de não ter posição, sequer opinião”, sussurrou o próprio texto no meu ouvido. As teclas anunciaram: “Covarde e ignorante”. Uma voz qualquer que dizia ser da consciência grita: “quantas vezes devo te dizer que tu pode mudar e fazer a diferença”. Diante de tantas cabeças célebres e pensantes dentro de mim mesmo, perguntava: “que sou eu?” Diante desses príncipes vaidosos, “que sei eu dessas doxas e ortodoxas?”; “E como ousa tudo isso ainda querer resposta e ainda digitar um texto?”; “algo que faz dentro de mim achar que é como um homem de filia e sofia?” Uma dessas partes toma parte e diz que não tenho certeza de nada, que não se prevê nunca o futuro, que não sigo a estrutura da lógica, mesmo duvidando de tudo. Como se a lógica não devesse nada à parte que palpita no peito e também não fosse só mais uma que quisesse a vez na orquestra. “Se isso, então aquilo!”; “Se ele, então não ele”, brinda outros no canto. Por essas coisas já se amou e se odiou e tantas outros entre esses dois sentimentos. Um amigo anarquista reverbera dentro de mim: “contra as estruturas”, outro vai e assume a posição sócio-crítica mais atual, com mais dados atuais, com mais atualidade que os dados atuais, pois ele antecipa o futuro, o vidente. “Se isso, então aquilo” e conta suas razões e diz suas verdades e calunia os outros por não entenderam nada sobre a verdade, acusa-o de estar ludibriado: “Se isso, então isso”, clama pelos cálculos monetários e pelas paredes sólidas da corrupção, anuncia um novo país. Outro pedaço de mim, quase morto: “ainda tem olhos de criança?”. Outro acusa que esse negócio é cristão, outro diz que é melhor matar e comer capim pela raíz. “Todo mundo tem a porra da razão e ninguém se resolve”. Uma parte de mim chora, outra ri, uma ama e a outra odeia. Fragmentado como o maquinário de moer carnes, como teria eu qualquer certeza se a carne em que habito sequer sei como funciona? E ainda assim tenho estômago, olhos, bocas, braços, pernas, cu. E atrás de mim toda a histeria histórica como exemplo, mas continuo tendo uma parafernália que funciona mas nunca compreendo. Banhado de certezas estão todos saindo de casa, banhados de vômitos uns dos outros, comendo os dejetos putrefatos. Cada qual vomita sua verdade, mastiga, engole. E eu que nem sei qual merda sou, qual dejeto tem aderência melhor, seria eu quem deles? Qual desses fragmentos de mim me agarro para ser amigo ou inimigo? E eu que nunca soube o que saber ou sequer sei o que é saber algo, será eu o que? Vai longe essa parte de mim que chamo de razão e vai longe tudo que ela propôs de forma tão racional, tão previsível, monótona e inútil. Todos os argumentos são racionais, belos e "para o bem de todos". No entanto, num tenho nem a certeza do próximo passo dado. Ninguém chega ao consenso, mas os dados são todos reveladores e que que isso muda? E que que alguém ganha com isso? Porra nenhuma! Um pedaço finalmente conclui: "Que inveja tenho eu das plantas!"
Por Jayme Mathias Netto
vivisseccao.blogspot.com
domingo, 11 de agosto de 2019
Releituras (a)gosto: O satanás da revolta
Pobre diabo, só quer a revolta, nada mais.
Não é o dinheiro, a carne, a glória.
Tudo conversa besta. Ele só quer a discórdia.
Satanás, o grande NÃO. Não quer ser ouvido.
Nunca disse uma palavra sequer. Ele atenta!
O cão atenta nossa consciência, negando o que nunca foi negado.
Nega o texto e a poesia.
O Satanás diz não.
Para toda regra há uma exceção.
Ele não é o espaço em branco. Não é a dúvida, nem o vazio. Não é o nada.
Ele é o não.
Ele não é a maldade. Não é inimigo de Deus, nem da civilização.
Ele é o não.
O diabo não é a santíssima trindade. Ele é uma só serpente que engole o próprio rabo.
Círculo que não é aliança. É eterno não.
Nossa vida seria vazia sem o diabo. Jesus não teria companhia na solidão.
E até Deus não percebe que para resistir às tentações do Cão no deserto ele também disse NÃO.
Paulo Victor de Albuquerque Silva
domingo, 4 de agosto de 2019
Releituras (a)gosto: A morte de Acteon
Somente aquele que teve o infeliz acaso de encontrar-se com a evanescente sensação da perda de si, acometer um ente próximo, consegue ver os pormenores semelhantes ao momento histórico que vivemos. Sim, porque nada mais somos que uma grande catarse coletiva que destrói a si.
Vivo no país do Alzheimer e vos direi o porquê.
O enfermo que apresenta tal moléstia perde-se, por vezes, entre a infantilidade e a incapacidade. Os dias, alternos, por vezes, são de manutenção de uma falsa estabilidade, outrora, de total regressão.
A sombra de quem um dia foi traduz-se em um vulto cada vez mais distópico.
Aos poucos, volta-se ao momento do infante e tudo parece novo de novo. O simples abriga a graça da descoberta. A inocência se mistura com a incompreensão de cometer os mesmos erros, que de alguma forma gritam de um lugar ermo no inconsciente e que "já foram cometidos". O conflito de "quem é" com "quem era" provoca choques turbulentos, que submergem o acometido em um torpor cada vez mais intenso e os dias bons tornam-se cada vez mais escassos.
Progressivamente, esquece-se de quem é, das necessidades fisiológicas, de respirar e, por fim, de sobreviver.
Pois, se lhes parece triste a sina ao tratar-se de um ente querido acometido por esse mal, imaginem o quão desesperador seria descobrir que somos nós também a massa cinzenta que a cada dia se autodestrói!?
Pois, se para Hegel a história tem um espírito, vos digo: ele tem Alzheimer.
Somos nós brasileiros, ou mundiais, a prova viva da regressão e transgressão primeira para tudo o que é torpe. Ora, se não somos a inversão de valores, o discurso de ódio, a "fake" news, então o que somos? Se não é a "memetização" do "politicamente correto", a brincadeira "inocente" do Alzheimer com tudo o que demanda seriedade?
E assim somos e vamos, acometidos por uma corrupção metafísica, incorrendo nos mesmo erros, elegendo os mesmos inaptos e nos isolando cada vez mais em nossas ilhas digitais de indignação. Cercados pelas tsunamis do ultraconservadorismo, sofremos continuamente a plasmólise da vida social, buscamos pelo bote esclarecido da salvação que nunca vem. A autorreflexão torna-se ilusão de grandeza e opinião e razão viram sinônimos.
E os que pensavam ser Ágora, eram senão mais uma multidão doidivana a clamar por sangue no anfiteatro Flaviano. Torcendo para que Acteon seja devorado por seus próprios cães. Abrigamos o lobo e atiramos na chapeuzinho, enquanto as cadelas, das quais nos alertara Brecht, continuam a esgueirar-se impacientes, seduzindo os ébrios que cruzam seu caminho.
E o que se entende por reviravolta do absurdo, tratam-se dos "glóbulos brancos" no cérebro enfermo, atacando repetidamente a si. Na esfera macro ou naquilo que se entende por estado, estas mesmas partículas denominadas "bolsominons" ou, ainda genialmente definidos por Albuquerque (2018) como frutos de uma "ontologia do progresso", atacam o próprio organismo pensando estar poupando-o de um stress maior, enquanto empurram-no incessantemente ao colapso.
Autoimunes, resta-nos agarrarmos à leve sensação de alegria das descobertas já feitas e não lembradas, enquanto voltamos a engatinhar sem entender bem por quê.
Que possamos então aproveitar nossos dias bons, até que não reste nada mais e voltemos a ser poeira cósmica.
Por Júlio César Barbosa
vivisseccao.blogspot.com
domingo, 28 de julho de 2019
Julho do Leitor: Rosa de Anne Jamille Sampaio
Por que tu choras? Por que demoras em um pranto manso?
Por que não vais e encontra o que é teu?
O que é teu, na verdade, sem ira e maldade
Segues, bela rosa, segues
Com tua vermelhidão
Ascensão
Feminino
No teu inocente jeito de amar
Amar o vermelho que de ti faz-se forma
definição
Beleza que não comporta a razão
Reza, bela rosa, reza
para que
o amor te aches
Mas que não te mates, de tanto sofrer
Que habite em ti, escorra de ti
Volte-se pra ti
Mas que não seja como o vermelho vivo do fogo
Que queima
E, ao passar o vento forte, deixa levar o perfume da calma
Restando cinzas ao relento e mais nada
Que o teu vermelho sangue
Tome para si a serenidade do vinho
Que vive seu mistério e se delicia a cada sensação provocada por seu gosto
No qual o passar dos tempos acusa a melhoria
Que voe com o gosto da liberdade pueril
Que faça morada na serenidade do amor mais gentil
De Anne Jamille Sampaio
domingo, 21 de julho de 2019
Julho do Leitor: O que eu também não entendo de Luciana Lis
domingo, 14 de julho de 2019
Julho do Leitor: Os velhinhos me olham sorrindo de Julia Pereira
Quero encontrar Deus,
vou para Morella.
Quero chegar no Flamengo,
desço no Largo do Machado.
Um passo atrás, uma parada à frente...
Nunca no exato lugar na hora certa.
Tropeço nos velhinhos do Flamengo,
Recordo Morella,
Penso nos meus pais.
O olhar suplicante…
Adoro velhinhos,
que reencarnam em bebês,
que choram, que esperneiam,
que birram.
Então, lembro o prazo perdido.
Então, lembro que me endivido.
Fui pra longe que é pra ver se esqueço,
Mas há ainda essa imunidade de merda!
Sugada pelos anos indecentes
Que consomem minha juventude,
A saúde frágil,
O corpo que não aguenta…
Choro
Esperneio
Grito
Mas Deus não escuta.
Meus pais não escutam
Os velhinhos do Flamengo não escutam, e me olham sorrindo.
Por Julia Pereira
domingo, 7 de julho de 2019
Julho do Leitor: Ritual de Jorge Raskolnikov
Os dois homens chegaram quebrando a escuridão com velas. Falaram palavras inteligíveis um para o outro. A noite avançada nas horas, na penumbra que beneficiava medos e terrores obscuros. Os homens se posicionaram diante da vítima. Ela abriu os olhos e reconheceu seus algozes. Não haveria como resistir. Eles a tomaram sem esforço. Iniciou-se a cantilena monótona, e das sombras surgiam vultos assumindo seus devidos lugares. Era impossível que o mal puro, na mais primitiva forma não se fizesse presente. Puseram a vítima sobre uma espécie de altar, lugar onde se ama e se descansa, verdadeira profanação. Nesse instante usada para fazer o ódio. O som se intensificou, o ato estava prestes a começar. Ela foi privada das roupas num instante. E os olhos oriundos da escuridão se arregalaram satisfeitos. A degradação máxima, o vilipêndio da pureza tinham agora lugar na terra, exatamente ali. Um insulto ao Criador, a tudo que era benéfico e inocente, o gesto obsceno aos céus, a jura de pecado mortal. No altar a vítima sofria, ouvia os rogos e adulações justificando aquele ritual. A música não cessava. O sermão diabólico se elevando em palavras no momento da celebração. Os sacerdotes do demônio se revezando na liturgia maldita. A dor, o sofrimento de alguém sem culpa, abandonada à própria sorte, sofrendo a violência da missa satânica. O anjo caído veio correndo. Como não fosse onipresente, precisava de pernas para chegar, de mãos de carne e osso para roubar e genitálias para mijar e violentar. O louvor do mal chegou ao extremo, se intensificando até ao ápice, as sombras se contorcendo jubilosas. Os sacerdotes exultavam satisfeitos, o sacrifício no altar chegando aos termos finais, embora não fosse a oblação máxima, pois ainda teria vida física. Um pouco de sangue fora derramado, mas foi logo lavado pelas lágrimas da garota. Os homens cuspiram em seu corpo como parte final do ritual. As sombras foram se retirando. Eles a pegaram, estranhamente carinhosos e a levaram de volta. Ela ficou encolhida no canto, catatônica pelas imagens de puro horror. O mal na terra, verdadeiramente realizado.
Jorge Raskolnikov
Livro do autor: "Cadernos de Sombras"
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domingo, 30 de junho de 2019
Des-Cuidado!
Perdi meus olhos só porque me impaciento ao ler?
Perdi minha cabeça só porque não penso?
Gozamos de direitos e autoridades
Vendemos o intelecto e a cultura como salvação.
Vendemos todo o espírito para incluir, não sobra nada.
Não há espaço vazio.
O resquício, o resto, o desperdício é reciclado: descarte!
Trapos, trapos e farrapos. Estamira diz: “o que há no lixão são restos e descuidos”
Está tudo preenchido de sentido nunca de fato sentido,
Sempre des-Cuidado! porque o descuido se tornou bonito.
O homem aos poucos foi criando maneiras de fazer múltiplas coisas ao mesmo tempo. Num
mesmo espaço, várias opções de preenchimento. Os tablets, a internet, os carros, tudo é
Smart. Todos nós somos Smart porque temos preenchimento, vários vazios ao mesmo tempo.
O I da Apple, Icloud, Ipad, Iphone. O I (“ai”) de inteligência. Somos função de uma inteligência
artificial (A.I). Até a inteligência, o nosso monolito kubrickiano, é artificial, ficou banal.
Inteligência para funcionar muito bem, nunca deixa de funcionar, nunca pára! Que inteligência
é essa que nunca pára? É inútil como uma memória que nunca esquece! Serve de nada! Aptos,
ágeis, hábeis, móveis. Simplesmente não acessamos mais outro tipo de inteligência e andamos
por aí clamando pelos Et’s. Cadê o Eu que pensa caro Descartes?
Jayme Mathias Netto