domingo, 7 de julho de 2019

Julho do Leitor: Ritual de Jorge Raskolnikov

Os dois homens chegaram quebrando a escuridão com velas. Falaram palavras inteligíveis um para o outro. A noite avançada nas horas, na penumbra que beneficiava medos e terrores obscuros. Os homens se posicionaram diante da vítima. Ela abriu os olhos e reconheceu seus algozes. Não haveria como resistir. Eles a tomaram sem esforço. Iniciou-se a cantilena monótona, e das sombras surgiam vultos assumindo seus devidos lugares. Era impossível que o mal puro, na mais primitiva forma não se fizesse presente. Puseram a vítima sobre uma espécie de altar, lugar onde se ama e se descansa, verdadeira profanação. Nesse instante usada para fazer o ódio. O som se intensificou, o ato estava prestes a começar. Ela foi privada das roupas num instante. E os olhos oriundos da escuridão se arregalaram satisfeitos. A degradação máxima, o vilipêndio da pureza tinham agora lugar na terra, exatamente ali. Um insulto ao Criador, a tudo que era benéfico e inocente, o gesto obsceno aos céus, a jura de pecado mortal. No altar a vítima sofria, ouvia os rogos e adulações justificando aquele ritual. A música não cessava. O sermão diabólico se elevando em palavras no momento da celebração. Os sacerdotes do demônio se revezando na liturgia maldita. A dor, o sofrimento de alguém sem culpa, abandonada à própria sorte, sofrendo a violência da missa satânica. O anjo caído veio correndo. Como não fosse onipresente, precisava de pernas para chegar, de mãos de carne e osso para roubar e genitálias para mijar e violentar. O louvor do mal chegou ao extremo, se intensificando até ao ápice, as sombras se contorcendo jubilosas. Os sacerdotes exultavam satisfeitos, o sacrifício no altar chegando aos termos finais, embora não fosse a oblação máxima, pois ainda teria vida física. Um pouco de sangue fora derramado, mas foi logo lavado pelas lágrimas da garota. Os homens cuspiram em seu corpo como parte final do ritual. As sombras foram se retirando. Eles a pegaram, estranhamente carinhosos e a levaram de volta. Ela ficou encolhida no canto, catatônica pelas imagens de puro horror. O mal na terra, verdadeiramente realizado.

Jorge Raskolnikov
Livro do autor: "Cadernos de Sombras"
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Jayme, Júlio e Paulo.