domingo, 24 de setembro de 2017

Magna Córtex

Nada! Nado em meio às ondas do cerebelo buscando um equilíbrio mais árduo que o de um equilibrista na corda bamba.
A sinopse da sinapse todos já sabem. O axônio transmite o impulso pelo neurônio sem pseudônimo, anônimo e ao mesmo tempo conhecido por todos.
Ainda assim, seu caminho ninguém descreve.
Finalidade oculta, até se revelar.
A eletricidade serpenteia pelos sulcos singulados e por todos os lados, lapsos de loucura são autojustificados, como devaneios, de um descontrole momentâneo.
Como em uma cidade noturna, observada das alturas, a gravura dos lóbulos se ilumina de eletricidade.
No giro singulo está a verdade despedaçada de porque engulo o tempo sendo linear. "Mas eu já vi!" Deja vú. C'est la vie.
Submerjo mais uma vez na tentativa de uma justificativa ontológica da resposta fisiológica ao que designamos de dor, amor, temor, Deus.
Na epífise neural, o ideal que  separa o homem do sobrenatural é progressivamente suprimido, pelo comprimido analgésico da "normalidade".
A pineal involui. A proximidade do surreal não se inclui nos planos do homem "civilizado", pelo menos pela manhã. A noite, não há distinções entre o muçulmano, o católico ou o evangélico, o mundo psicodélico não escolhe suas vítimas pela religião.
De um lado para o outro, do frontal ao parietal, do occipital ao temporal, busco em que momento foi uma boa idéia se livrar da dualidade bicameral, onde os "Deuses" nos diziam o que fazer.
O peso de ser consciente é muito grande, mas seja "hipo" ou "hiper", o tálamo já tem seu ofício definido.
Da dor de pensar a si, do cérebro brotam termos que descrevem a trajetória de um final sem glória, onde a história não tem entrelinhas.
Catarse?Homeostase? Sinergia, Entropia? Distopia? Supremacia!
A mente contempla a si própria, pois antes sóbria tinha o único ofício de executar. Só agora percebe o quão ridículo é pensar em tudo a sua volta e esbarrar na resposta de não ser capaz de se mensurar.

Dormi.

Júlio César Barbosa
vivisseccao.blogspot.com

domingo, 17 de setembro de 2017

Vago pela cidade

Vago pela cidade
Vaga
Vazia
Vago pelas ruas
Vaga essa agonia

Vagabundeio
À espreita dos suspeitos
Cúmplices do meu custeio
Vago sou, mas não quando vagueio
Nada há nesse espelho

Cada passo na cidade
Passa
Passado
Cada passagem
Cheia de relógio marcado

Estou cheio
Inchado de devaneios
À espreita do desespero alheio
Espelhando em mim seus anseios
Muito há nesse jogo que medeio

Jayme Mathias Netto
Vivisseccao.blogspot.com

domingo, 10 de setembro de 2017

A guerra dos Fonsecas

Fonseca, general experiente de inúmeras guerras, que como todo ser vivo, encontrou vitórias e derrotas ao longo de suas batalhas. No auge dos seus quarenta e poucos anos já passou por diversas pelejas orquestradas pelo destino: possuiu duas famílias, incontáveis amores, metros de cabelos cortados, bigode sempre afiado. De todas suas vivências nada se compara ao campo de batalha. Nele o corpo se presta a um estado limite entre sua constituição e a fissura, mutilação. Não há momento mais severo, mais engajador. A trepidação da metralhadora se propaga em suas células, repetição acelerada que lhe traz o prazer sexual. O choque do tiro, da luz, da bomba, do inimigo inesperado, tudo pulsa num campo de tensões.
Aí você lendo esse texto, criando as imagens do Fonseca em sua mente dentro do lugar de combate, relacionando sua imaginação com algum filme que já assistiu ou coisa semelhante. Você consegue envolver seu corpo com esse texto mais do que o Fonseca com o campo de batalha? Não. O empenho do corpo dentro do combate é completo, a tensão dos músculos, o estalo dos ossos, o ranger dos dentes, o estômago virado.
Acho que foi na primeira quinta-feira do ano passado: Fonseca estava em um novo conflito, tudo normal, corpos dilacerados, córregos de sangue, o velho cheiro de suor e morte, mas algo estava estranho, o nosso general assistia todo o espetáculo da técnica do mesmo modo como presenciava o jantar em casa, as reuniões no quartel, o coito com seus amores. Sabe o que é isso Fonseca? O tédio. Agora sim leitor, não há mais diferença entre sua imaginação e o campo de batalha do novo Fonseca, entre o seu dia, sua vida, e a de mais ninguém. Se o prazer de viver está na luta, e se tudo agora é mais do mesmo, por que continuar na guerra? É na ausência do prazer que a falta de sentido do existir nos aparece. E haverá um dia em sua vida que eu retornarei para narrar o seu desespero também.

Paulo Victor Albuquerque
vivisseccao.blogspot.com

domingo, 3 de setembro de 2017

N.C.S

Acordara, mas ao olhar para o teto de seu quarto mais uma vez, pensou em voltar a dormir. Para sempre. Tarde demais! A mente, a mil, já começara mais um dia de seu processo de autodestruição e a primeira pergunta que vinha a tona era: "em que momento da minha vida deixei de ter um propósito? A resposta cortante vinha de imediato: "não há propósito!". Ao dedicar a vida inteira ao que está "atrás da cortina", tudo o que encontrara era triste. Esclarecedor, mas trágico, tal como, quando descoberto o truque, o mágico se transforma em charlatão. Não há arco-íris para quem persegue a verdade, tudo é monocromático. Em quarenta e um anos de vida, perguntas como essas o corroeram internamente todos os dias. O raciocínio, afiado como uma espada samurai, despedaçou qualquer traço emocional suficiente para o fazer mudar de idéia. Como um "Jedi" que se converteu ao "lado sombrio da força", por usá-la em demasia, fora tomado por um "mal" amoral, da apatia, da ataraxia, do nada!
Era como se todos os conhecimentos, estratagemas,teorias, métodos, linguagens, agora corroborassem com a intransponível aporia com a qual se deparava: a da existência.
Sentia- se desnecessário, incompatível, inalcançável. De início, achou que conseguiria, repetia em vão os mantras entoados pela autoajuda de levar "um dia de cada vez" e como alguém que com uma âncora amarrada aos pés, tenta chegar a superfície, sentiu a pressão aumentar assustadoramente a cada questionamento sem resposta, a cada descoberta sem volta, a cada túnel em que a luz no fim era do trem. Sucumbira de tal forma ao mar revolto da depressão, que atingira a região abissal do ser.
Era o homem que descobrira o fogo em meio aos neandertais, o escravo liberto da caverna de Platão, o primeiro a pisar na lua e perceber que não havia ninguém, era tudo e era nada! Levantou-se, olhou-se no espelho do guarda- roupas, mirando os próprios olhos, constatou que não havia nada lá para ver, nada além de seus próprios erros e incapacidades o encarando de volta.
Sem ressentimentos, sem adeus, sem mensagens subliminares, sem moral da história, como um patógeno prejudicial ao corpo,num último esforço, retirou o cinto que ainda estava na calça usada pela última vez cerca de um mês atrás, dobrada no criado mudo e usando os conhecimentos da física, pendurou-se pelo pescoço na porta do quarto que tanto o aprisionara. Antes de fechar os olhos, constatou, ainda nos últimos lampejos, que não havia nada de poético, na agonia de ceifar a própria vida, nada de significativo nas pernas que tremiam com a falta de oxigenação, ou no sangramento nasal devido ao trauma provocado pelo cinto e consciente da escolha feita, aceitou o fardo da pressão exercida em seu pescoço, como muito menor do que a que sentira em seu âmago por ser insuficiente. Jaz a mente de um consciente de ser vítima do anticorpo da vida.

Por Júlio César Barbosa Dantas
vivisseccao.blogspot.com