domingo, 3 de setembro de 2017

N.C.S

Acordara, mas ao olhar para o teto de seu quarto mais uma vez, pensou em voltar a dormir. Para sempre. Tarde demais! A mente, a mil, já começara mais um dia de seu processo de autodestruição e a primeira pergunta que vinha a tona era: "em que momento da minha vida deixei de ter um propósito? A resposta cortante vinha de imediato: "não há propósito!". Ao dedicar a vida inteira ao que está "atrás da cortina", tudo o que encontrara era triste. Esclarecedor, mas trágico, tal como, quando descoberto o truque, o mágico se transforma em charlatão. Não há arco-íris para quem persegue a verdade, tudo é monocromático. Em quarenta e um anos de vida, perguntas como essas o corroeram internamente todos os dias. O raciocínio, afiado como uma espada samurai, despedaçou qualquer traço emocional suficiente para o fazer mudar de idéia. Como um "Jedi" que se converteu ao "lado sombrio da força", por usá-la em demasia, fora tomado por um "mal" amoral, da apatia, da ataraxia, do nada!
Era como se todos os conhecimentos, estratagemas,teorias, métodos, linguagens, agora corroborassem com a intransponível aporia com a qual se deparava: a da existência.
Sentia- se desnecessário, incompatível, inalcançável. De início, achou que conseguiria, repetia em vão os mantras entoados pela autoajuda de levar "um dia de cada vez" e como alguém que com uma âncora amarrada aos pés, tenta chegar a superfície, sentiu a pressão aumentar assustadoramente a cada questionamento sem resposta, a cada descoberta sem volta, a cada túnel em que a luz no fim era do trem. Sucumbira de tal forma ao mar revolto da depressão, que atingira a região abissal do ser.
Era o homem que descobrira o fogo em meio aos neandertais, o escravo liberto da caverna de Platão, o primeiro a pisar na lua e perceber que não havia ninguém, era tudo e era nada! Levantou-se, olhou-se no espelho do guarda- roupas, mirando os próprios olhos, constatou que não havia nada lá para ver, nada além de seus próprios erros e incapacidades o encarando de volta.
Sem ressentimentos, sem adeus, sem mensagens subliminares, sem moral da história, como um patógeno prejudicial ao corpo,num último esforço, retirou o cinto que ainda estava na calça usada pela última vez cerca de um mês atrás, dobrada no criado mudo e usando os conhecimentos da física, pendurou-se pelo pescoço na porta do quarto que tanto o aprisionara. Antes de fechar os olhos, constatou, ainda nos últimos lampejos, que não havia nada de poético, na agonia de ceifar a própria vida, nada de significativo nas pernas que tremiam com a falta de oxigenação, ou no sangramento nasal devido ao trauma provocado pelo cinto e consciente da escolha feita, aceitou o fardo da pressão exercida em seu pescoço, como muito menor do que a que sentira em seu âmago por ser insuficiente. Jaz a mente de um consciente de ser vítima do anticorpo da vida.

Por Júlio César Barbosa Dantas
vivisseccao.blogspot.com

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