domingo, 24 de junho de 2018

Mr. Nobody

Quando as luzes se apagam...
Ouço minha própria voz, chamando de um lugar sombrio.
"Há algo lá, mas nunca lá!" Diz ela sobre tudo.
Conduz-se uma espécie de "desorganon" que decompõe minusciosamente tudo o que se aparece completo, encerrado, objetivo.
"Piece by piece", examino os propósitos de cada "razão de ser", cada nome, cada porquê.
A mente borbulha. Temendo um colapso, ignoro a voz. Não importa!
"Há algo lá, mas nunca lá!".
No dia seguinte, a sentença persiste.
De modo que percebo que a voz não teme a luz.
Está "lá, mas nunca lá!".
Quando olha-se "Tudo" de muito perto, é possível ver o quão repleto de "Nada" ele é.
A pergunta primeira, do porquê de tudo, é uma Nau que navega ao redor de uma ilha esférica.
O "Nada" é o "zero grau" e o "trezentos e sessenta" que sempre surge da mesma pergunta. "Por que tomei esse caminho?" E assim inicia-se uma nova volta.
A filosofia, a qual usei como bengala para me sustentar, estava lá, mas nunca lá. Trezentos e sessenta graus, para notar que se voltou ao zero.
E para onde quer que eu olhe, só o que vejo é nada.
A realidade me chama de volta: "é preciso ir agora! É preciso!"
É preciso? Ir aonde? Dar mais uma volta na ilha. Tentando chegar à Índia nunca descoberta por Cristóvão.
Anoitece. A voz retorna: " eu avisei!" debocha.
Não lembro ao certo quando a ouvi a primeira vez. Mas depois que começou, nunca mais parou.
Desde então, percorre todo meu ser como a peçonha de uma víbora, que, travestida de coruja, seduz prometendo sonhos de grandeza e sabedoria.
Diz vender a "verdade", mas "esquece" de dizer o quão amarga ela é.
No início, tentei resistir. Como John Nash, ignorava a presença esquizofrênica daquela voz que se confundia com a minha.
Até que, feito Sísifo, cansado de ver a pedra rolar montanha abaixo, após todo o esforço para erguê-la ao topo, aceitei-a.
Depois, passei a Prometeu. Vendo todos os dias a águia do Real arrancar pedaços do meu fígado aos gritos.
Hoje, já não me abalo com isso. Na verdade, dificilmente com quaisquer coisas outras.
O que porém ainda me assusta é que, ultimamente, passei a gostar da voz.
Por um instante, acho estar brigando com minha própria sombra, como "Peter".
Antes de me entregar por completo, ainda reluto, me dou conta de que posso estar sofrendo do mal de Estocolmo. Apaixonei-me por meu captor.
E tudo o que ele sussurra é

NADA!

Júlio César Barbosa
vivisseccao.blosgpot.com

domingo, 17 de junho de 2018

Entre cães e pães

Os cachorros, dizem, sentem cheiro do medo. Esses que aqui latem todo dia fogem da regra. Porque se assim fossem me devorariam por inteiro. Mas eu vivo. Vivo e sinto antes de pensar. Sinto até livre, porém responsável. Sem compromisso, mas o tendo. Sem liberdade, mas a tendo. Querendo o ritmo do dever, mas sem querer. Exigente com o que faço. Livre para exigir. Como se tivesse aberto em mim a possibilidade de se abrir. Florescer. E não o fosse por completo. Nunca. No mínimo de soltura, tensão. Na abertura, prisão. Prender como quem escapa da jornada com que meu dever fizera livremente. Prender como quem escapa do próprio ritual criado. Hábitos breves, dos quais os leves não sinto poder. Exigência do querer ou não querer. Como se no momento do ápice liberto, gastasse em demasia a energia para me prender. Condenado ao ato livre. Condenado a não poder. O infinito delírio do ter que fazer. Os olhares me demonstram um tempo que com nada disso se importa. Eu poeta, solto e aberto, fechado e manifesto do ter que ter, do ter que fazer. Mas é isso que fazem os pedreiros erguerem as colunas do nosso tempo. Os papéis assinados dos grandes negócios! Os pães, até os pães diários e seu cheiro de tensão! Dos pães aos especialistas! Dos piores aos recordistas! No meu caso é prisão e preguiça!

Por Jayme Mathias Netto
vivisseccao.blogspot.com

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Julho do Leitor

Estamos fazendo novamente a chamada de textos dos leitores do nosso blog Vivissecção.

A ideia é que no mês de julho, aos domingos, postaremos um novo texto dos nossos leitores.



Como alguns leitores se interessaram pela nossa escrita, pelo conteúdo do blog e querem também espaço para suas ideias e sentimentos, a gente decidiu abrir esse espaço de produção de pensamentos dos leitores. Uma​ forma de interagir com novas ideias e questionamentos.

O conteúdo dos textos são experiências singulares, poéticas e filosóficas, são vivências de recortes de intensidade que nos trazem de volta à vida, que nos fazem sentir de outra forma e também questionamentos viscerais.

Caso você queira postar seu texto, envie para : jaymemathias@gmail.com ou, na aba direita do nosso blog, está disponível a opção de nos enviar uma mensagem com seu texto. Envie seu texto com seu nome(nome do pseudônimo caso queira), e-mail para contato e suas redes sociais (Instagram, Facebook etc.)

Enviar textos até 30 de junho. Posteriormente abriremos novas chamadas.

Jayme Mathias
Júlio César Dantas
Paulo Victor de Albuquerque


domingo, 10 de junho de 2018

Poeira cósmica.

“Uma das lições que a era hitlerista nos ensinou é a de como é estúpido ser inteligente”, afirmaram Adorno e Horkheimer no texto “Contra os que têm respostas para tudo”. Com isso queriam sugerir o quanto alguns intelectuais, com sua extrema inteligência, não foram capazes de perceber a iminente ascensão do governo hitlerista ao poder. O ocidente e sua soberba intelectual, com a crença na exatidão de suas ciências humanas, evocava os grandes estudiosos da época para garantir a impossibilidade do fascismo na europa. As certezas intelectuais de nosso tempo são cegas, pondo à margem tudo aquilo que escapa aos seus planos como sendo inumano, afinal as rotas estão claras como a luz do dia, Aufklarung!

Há latente nos “espíritos superiores” a crença numa objetivação de suas abstrações racionais e lógicas que arrastam a materialidade de sua concretude à projeções-fantasmas. O espírito altera a natureza, deixa sua marca, rastros humanos de nossa perdição. O que eles esquecem é que, como um filho, a matéria tem seus caprichos, suas nuances e singularidades. A crença na evolução do espírito se entrelaça a ideia de que o universo também encontra-se em um processo de evolução. A crença no progresso da natureza manifesta a fé num Espírito superior que guia a história universal.

Para que ninguém fique triste preferimos assegurar que todas as explosões cósmicas, energias radioativas, choques planetários, o vácuo espacial, conspiraram de forma engajada para a formação planejada de sujeitos de espírito superior que iriam trazer ao mundo a magnífica civilização européia, mais um exemplo de evolução espacial. “Hitler era contra o espírito e anti-humano. Mas há um espírito que é também anti-humano: sua marca é a superioridade bem informada.” Afirmam os autores judeus que sofreram as atrocidades cósmicas evolutivas do nazismo alemão. No Brasil, o progresso ontológico de milhares de anos produziu seres que deixam a via-láctea e o grande Espírito extasiados: os bolsominions. Eles são o novo suspiro do itinerário fascista europeu. 

Por Paulo Victor de Albuquerque Silva.

domingo, 3 de junho de 2018

Pablo Fracasso

Hoje, o texto não tem contexto.
Pautado no que foi dito: " o mundo permanece tal e qual" sempre foi, com ele ou sem.
A poesia não tem rima, o clima não é de sol.
Me agarro ao texto e só a ele.
Porque escrevo não "para os afortunados planadores dos confins...", mas para mim mesmo.
Como "munífico homem" que não sou, anoiteço na sombra do medíocre.
E não vejo nele incômodo algum.
Há nele algo de familiar, que não me deixa sair...para baixo ou para cima.
O anonimato me permite apenas respirar e com ele vou...
Me agarrando à escrita como reflexão e justificativa para o meu sentido.
Sou, no momento, um peixe ladrão, que, da boca dos tubarões junta o que cai e dos restos vai sobrevivendo.
Nado no "bucho da serpente", ao mesmo tempo que "nas entranhas do meu Ser".
Transformo esse texto, não em interseção, mas em reflexo. Vivissecção de mim.
Junto os pequenos pedaços de incoerência e transformo aqui em algo que faça sentido para o plural que sou.
"Escrever sem objetar." Para bastar a si.
Pedaço a pedaço monto meu Franknstein tirando dos braços da "donzela dos lutos", vislumbres ainda úteis de redefinição.
Pois que sem graça seria a poesia estática, onde o preto é sempre preto e não ausência, onde o branco é sempre branco e não essência de qualquer atribuição moral.
Que seria de mim se não atribuísse?
Quem sabe algo melhor.
Remendo a remendo, apronto minha colcha de retalhos, nela os metralhos do general Fonseca ditam o ritmo da minha máquina de costura.
Ponto a ponto, apronto meu mosaico poético, como um Picasso um tanto patético, sem ânsia de criar.
Junto para mim um estandarte sem pé, nem cabeça, esperando que mais uma vez anoiteça e o amanhã me traga uma nova imagem dessa reciclagem, sem propósito outro que não me despir de mim para me vestir em outro eu com novos farrapos adicionados.

Por Júlio César Barbosa
Vivisseccao.blogspot.com