domingo, 30 de julho de 2017

Julho do Leitor: Pra nunca esquecer de Ravena Olinda

Eu olho nos teus olhos
Me alegro com teu sorriso
Eu danço pensando em você
Sem medo
Eu me perco nas horas
no tempo.
Eu vejo o céu mais azul
Fotografo memórias
Eu me entrego sem culpa
Segredo
Eu transgrido fronteiras
muros.
Eu viajo até você
Terceira linha do meu coração
Eu me agarro em você
Desejo
Eu te faço mais leve
livre
Me cansei dos pés presos no chão.
Quero te levar
Comigo
Só pra ver o pôr-do-sol
E te deitar no meu sofá

PS: Melodia de Marcio Policastro

domingo, 23 de julho de 2017

Julho do leitor: Interrupção de Milton Rodrigues

Você falou do seu desejo de sentar no meu colo e mexer o quadril enquanto sentia meus dentes e unhas nas tuas costas...

Meu corpo inteiro correspondeu a sua vontade e eu te esperei sentar em mim com toda sua sensualidade de corpo e alma. Com toda sua tara de mukhee faminta em noite de caça.

Você disse que todo aquele nosso envolvimento te excitava e gemeu baixinho ao notar que eu queria ser teu homem, que em todos os sentidos eu queria estar dentro de você preenchendo os espaços da sua vida e do teu corpo. 

Você me sentiu em você?

Por um momento nossos pensamentos se encontraram em um quarto imaginário, onde tua pele se arrepiava com minha boca, onde nossos corpos encaixavam suados. Onde você de quatro me dava muito mais que teu coração.

Então você disse que tinha medo. E então você pensou demais. E então você abraçou um atalho. E só sobrou poesia.

Entre o tesão do momento e o amor de uma vida inteira, fodemos o nosso emocional, mas não gozamos.

Milton Rodrigues de Sousa Júnior

domingo, 16 de julho de 2017

Julho do leitor: Texto bilíngue "A Cena Fria" de Clémence Rocher

A Cena Fria tradução de "La Scène Froide" de Clémence Rocher

Tradução de Jayme Mathias

Tão só uma vaga luz clareava a mesa central da cozinha. O brilho irradiava uma cor amarelada sobre as faces ternas e ausentes dos quatro membros da família. Nos contornos do recinto, surgia na sombra uma filiforme quimera. A tempestade das trevas filtrava, na janela do porão, e se distanciava ao longe uma lareira e um armário secular enraizados na obscuridade. A cena oferecia uma introvisão das profundezas do tempo. Nada influenciava as testemunhas. Somente o odor de putrefação umedecia o local sórdido. Cada um dentre eles afundava na calada da noite, silenciosos e sombrios.

Seule une faible lumière éclairait la table centrale de la cuisine. La lueur irradiait une couleur jaunâtre sur les visages ternes et éteints des quatre membres de la famille. Aux confins de la pièce surgissaient dans l'ombre, de filiformes chimères. L'orage des ténèbres filtrait du  soupirail et se logeaient au loin un âtre et une armoire séculaires ancrés dans l'obscurité.  La scène offrait un aperçu du tréfonds des temps.  Rien n'influait ces défaillants. Seule leur odeur de putréfaction humectait l'endroit sordide... Chacun d'entre eux sombrait dans l'agape du soir,  silencieux et mornes.

De súbito, alguns gritos estridentes perfuraram o silêncio macabro da noite. Era a velha guarda, sujeita às frequentes crises de histeria, que se torcia novamente. A mais jovem das quatro se matinha quieta admirando a luminescência estranha de seu prato. O reflexo da tela polida pintava sua doce face de uma cor ainda desconhecida. Seus olhos vidrados e sua boca contraída significavam a chegada de um terrível acontecimento. A progenitora continuava plácida e pensativa, mas parecia vigiar a porta de entrada que batia frequentemente. Na sua frente, encontrava-se o mestre da casa que tremia a cabeça como que para rejeitar as ideias que congelavam seu espírito desorientado. Dois orifícios brancos perfuravam seu rosto. Ninguém parecia habitar os corpos fatigados e impenetráveis que se moviam como um autômato. Uma última cadeira estava ocupada por um caribenho da cidadela salvo por seus bons mestres. Ele se colocava curvado e reservado como um imigrante raspando o fundo de sua tigela. Este último apreciava o sabor dos legumes frescos da Madame e não ousava elevar o olhar sobre sua família muda, como era de costume. Seus membros coloridos pareciam se fundir na atmosfera. Assim, nós víamos dois talheres flutuantes no ar espesso.

Soudain, des cris stridents percèrent le silence macabre de la nuit. C'était la vieille gardienne sujette à de fréquentes crises d’hystérie qui se tordait une fois encore. La plus jeune des quatre se tint coi admirant la luisance étrange de son assiette. Le reflet de la toile cirée teintait son doux visage d’une couleur encore inconnue. Ses yeux fixes et sa bouche contractée  signifiaient la venue d’un terrible évènement.  La progéniture restait placide et pensive mais semblait surveiller la porte d’entrée qui claquait régulièrement.  En face d’elle se trouvait le maître de la maison qui secouait sa tête comme pour rejeter ses idées qui glaçaient son esprit désorienté. Deux trous blancs perçaient son visage. Personne ne semblait habiter ces corps las et impénétrables qui bougeaient à la manière des automates. Une dernière chaise était occupée par l'antillais du village sauvé par ses bons maîtres. Il se tenait courbé et renfermé tel un immigré raclant le fond de sa gamelle. Ce dernier appréciait la saveur des légumes frais de Madame et n'osait lever le regard sur la famille  muette, comme à l'accoutumé. Ses membres colorés semblaient se fondre dans l’atmosphère. Ainsi, nous y voyions deux couverts flotter dans l’air épais.

De repente, enquanto os sinos da igreja vizinha soavam, uma surpreendente donzela fez sua aparição. Somente sua presença clareava a penumbra do ambiente. Vestida de um amplo traje acortinado e de cetim vermelho, ela parecia tão pura e tão vestal que todos os olhares da mesa fria se direcionaram para ela. A ruiva baixou a cabeça e emitiu um delicioso suspiro; triste e austero, à imagem dos escrutinadores da cena. A imaculada deu alguns passos largos e sentara-se no berço de Houpette, o animal de estimação da casa e sem pêlos. Este, tão ocupado em colecionar carne podre não parecia contrariado pela invasão do seu nicho, onde estavam os sapatos pestilentos de toda tribo.

Soudain, lorsque les cloches de l’ église voisine sonnèrent, une mirifique jouvencelle fit son apparition.  Sa seule présence éclairait la pénombre ambiante. Vêtue d'un ample accoutrement en voilages et en satin rouge, elle paraissait si pure et si vestale que tous les regards de la table froide se posèrent sur elle. La rouquine baissa la tête et émit un délicieux soupir ; triste et austère, à l'image des scrutateurs de la scène. L’immaculée fit quelques foulées et alla s’asseoir dans le couffin de Houpette, l'animal domestique sans poil du foyer. Celui-ci, trop occupé à collationner de la viande pourrie  ne sembla pas contrarié par l'invasion de sa niche ou se trouvaient les chaussons pestilentiels de toute la smala.
    
Os olhares começaram a se preencher. As respirações faziam coro e os copos se puseram a escoar. É numa morosidade não obstante rápida que os quatro membros levantaram-se, cada uma a sua maneira. O mestre da casa cessara de se agitar e a velha mulher parou de chiar. O caribenho levantou a cabeça enquanto que a mais jovem ficou de pé, sem se mover. Ela observava Léna, a outra pequena encantadora, uma deliciosa sobremesa que a tribo compartilhava. Os três antropófagos rasgavam brutalmente os membros de Léna, recentemente cortados para a ceia, que preparavam para compartilhar sua fé.

Les regards commencèrent à se remplir. Les respirations faisaient chœur et les corps se mirent à suinter. C’est dans une rapide lenteur que les quatre membres se levèrent, chacun à sa manière. Le maître de la maison cessa de se secouer et la vieille femme cessa de grincer. L’antillais leva la tête tandis que la plus jeune resta debout, sans bouger. Elle observait Léna, l’autre fillette exquise, ce délicieux entremets que la tribu se partageait. Les trois anthropophages  arrachèrent  sauvagement les membres de Léna revenue des vêpres qui s'apprêtait à partager sa foi. 

domingo, 9 de julho de 2017

Julho do leitor: "Retour" de Luciana Lis

Retour

Eu preciso dizer que meses atrás eu ouvia marchinhas de carnaval dentro da alegria mais estúpida que já fui submetida, eu sorri tanto e exagerado para suplantar qualquer ruído passado que viesse me impedir de continuar a rodar, rodar e rodar. Hoje escuto ao longe um triste violino de cordas frágeis em que as notas parecem acompanhar o movimento assustado dos meus olhos.

O meu cansaço parece ter levado para longe, no momento daquela ventania que me fez fechar os olhos, qualquer argumento de que a vida vale a pena, me fez como num soco perceber que um filho não me salvará, me trouxe um suspiro estafado diante da fúria com que se pronunciam negações e ignorâncias diante do que não se conhece, diante da necessidade de autoafirmação de muitos e que não reconhecem sua própria imagem diante do espelho.

Também aconteceu de eu não saber mais o que fazer dentro da minha própria casa, de eu não saber mais para onde seguir quando já tinha inventado a minha própria liberdade.

Por Luciana Lis

sábado, 1 de julho de 2017

Julho do leitor: "Sangue" de Anne Jamille Sampaio

Sangue

Aqui eu me sento para dissertar sobre mim, de mim, talvez até para mim. Em uma fiel tentativa de organização mental, diante de um turbilhão de pensamentos que me invadem, me tomam, me laçam, fazem de mim uma mulher imersa em um contexto confuso, cheio, recheado, repleto de dúvidas, indecisões, incertezas. Eis a minha angústia escrita em letra de um texto. Texto ilógico, sem começo, em busca de um meio, sem saber se realmente deseja chegar a um fim.
As palavras saem em uma rapidez tamanha, em uma tentativa fugaz, que tenta ser sagaz, de dizer sobre o indizível, de dizer sobre mim, sobre quem sou.
Sobre mim, como é duro e difícil dizer. Pensei, repensei, tre-pensei – ajudem-me palavras, ajudem-me a dizer algo que seja substancial, importante, que tanto tenho relutado, em conflitos sem nome.
A falta de graça, a falta de vida que rodeia-me, sob a forma de pessoas sem graça, sem nata, sem algo que faça ferver, que faça mexer, que faça inquietar dentro de mim – algo que faça fugir de pensamentos loucos, insanos que me consomem, como uma vela, como uma vela que se destrói, se corroi, se põe a findar-se sem nunca, entretanto, conseguir chegar a lugar algum.
Falar, verborragiar, explicar, pensar, repensar, envolver-se por palavras. Apaixonar-se pela palavra.
Palavra é vida. Palavra me é vital! A palavra me rouba de mim ou me faz retomar a mim mesma? A aquilo que sou, que faço, refaço, repenso, renasço. Palavra, me roube, me tome, me consuma, faça-me sua – em toda a minha confusão, em todo o meu conflito, em todo o meu não saber nada sobre mim. Ou ao menos, me tome, me roube e faça morada sob a forma de paz ou de algo parecido com isso.
Seja minha e não me roube de mim mesma. Ancore e faça morada. Deixe-me ser.
Exigir: exigência, necessidade de tanto, cobrança por algo tão grandioso, esplendoroso.. Exigir tanto de outros, exigir tanto, tanto, tanto..Talvez até chegar a ter tão pouco. Pouco, nada, quase nada. Imaginação e fantasia. Imaginação e sensibilidade. Imaginação e algo além de si mesma. Algo que me transpõe, que adentra minha carne, que adentra minhas vísceras, que invade todos os meus vasos, consome meu ar. Me deixa impedida de reagir fisiologicamente, deixando-me ao patológico o único meio de conseguir emergir. Sair de um estado tão louco, tão solto, tão nada aparentemente meu.
Não sou minha. Tento me fazer minha de tantas formas. Mas isso não pode ser dito, não pode ser verbalizado. Deve ser calado. Deve ser mantido em chaves que são tão nossas, que são tão porcas, por estarem imersas em uma lama de mentiras, de vaidades, de falsidades. Não poder expor, colocar, gritar, mexer em alto e bom tom a angústia da vida, das feridas. Ao invés, sorrimos, cumprimos protocolos sem graça, sem praça, sem nada! Protocolos sociais, que nos fazem sorrir risos bestiais, soltos, imperativos até – mas risos sem graça, sem nada. São mesmo risos ou apenas dentes mostrados, revelados em uma boca anatomicamente perfeita e destituída de signos, sinais, símbolos..? Eis uma questão, tão dura e difícil questão.
Inquietação, loucura, loucura, loucura.
Psicose. Psicose. Psicose. Delírios, delírios, delírios. Alucinações? Alucinações? Alucinações? Repetições. Repetições, repetições. Repito, repito, repito. Reflito.
Digo muito, mas não digo nada. Exponho a mim, rasgando meu papel em sangue, expondo cicatrizes, vísceras, fístulas que formam abscessos negados, mas que insistem em mostrar toda a sua dor, toda a sua denúncia de uma sensibilidade guardada, rasgada, resguardada. Dor, dor dor. Amor, amor, amor.
Reações pintadas em um quadro branco, sem cor, sem vida – em um branco e preto sem graça – que vem a denunciar um lado do preto que não é belo, que traz apenas o silêncio de uma inquietude indisplicente – sem a devida sabedoria de como se portar, de como se dizer.
Assim aqui chego. Em meia a loucas e insensatas palavras. Em um desnudamente há muito não feito.
Seria sustentável admiti-lo para além das palavras? É possível vivenciar isso além de um contexto de 4 paredes, um divã e um ouvido atento a escutar? É possível criar um laço fraterno que nos olhe nos olhos e nos receba em toda a loucura e insensatez que habitam aquilo que chamam de mente humana, ou melhor, de cérebro humano? Conexões sinápticas tentam dar conta de toda loucura, em uma conjuntura na qual as palavras tentam nos acomodar no mundo, junto às pessoas, as loucas e insensatas pessoas.
Pedir por um ouvido atento, que segue muito além de palavras quaisquer ditas sob a égide de uma censura maculada – quão difícil é uma escuta nua, uma escuta crua, que nos receba naquilo de mais louco que possuímos. Que nos receba em toda a atitude insana, desprovida de toda e qualquer tentativa de censurar a louca loucura que nos habita. Loucura louca impedida de gritar aos quatro cantos. Louca loucura que nos afirma quando podemos nomear algo e, através disso, justificar toda a nossa insensatez reprimida.
Não há algo específico, não há um nome específico. Há apenas uma loucura escrita, testada, vivenciada, exposta, à amostra de um olhar que se diga algo, de uma censura que sempre insiste em se fazer e de uma tentativa de perturbar o ser humano, aquele que tanto mente, que tanto sente, mas que pouco é realmente contente.
Rima insana, rima sem graça. Mas vai muito além de uma tentativa de casamento vocabular. Vai além, como sempre, vai além.
Eis isto. Isto sem nome. Isto que testa, que ameaça, que é imperativo. Isto, que vira isso e que se torna inominável. Eis o desejo. Eis a mim. Sou o desejo, vestida dele. Completamente dele.
Após longos e apressados 20 minutos - a censura me pediu para voltar outra vez: abri a porta.
“Sente-se, querida!”

Anne Jamile Sampaio