domingo, 25 de junho de 2017

Apocalypse Now

“Eis que eu venho em breve, e trago comigo o salário para retribuir a cada um conforme o seu trabalho. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim.” (Apocalipse 22: 12 – 13).
Todos os sinais indicam que o fim está próximo. Irmãos matando irmãos; nações que se aglutinam em lutas mortais; sociedade narcotizada por antidepressivos e substâncias recreativas. O medo, meus amigos, paira no ar podre e tóxico das grandes metrópoles. O terror nos acossa e não temos saída. Todas as placas apontam o fim dos tempos.
O sentimento escatológico é uma constante em nossa cultura. Talvez essa sensação seja proveniente do “instinto de vida e morte” em que Freud afirma existir fisiologicamente nos seres vivos. Microscopicamente nossos corpos encontram-se numa guerra constante entre a vida e a morte. O cadáver de nós mesmos encontra-se sepultado no sarcófago de nossa inconsciência. O que desejo afirmar é: apesar de nossa relação direta com a finitude do existir, o sentimento do fim dos tempos, de uma atmosfera sufocante que não nos deixa saída, a certeza da catástrofe, são sintomas sustentados ideologicamente pelas superestruturas do real. Os filmes hollywoodianos, certas obras literárias, os programas jornalísticos, os fenômenos naturais do planeta e do universo, descrevem um percurso histórico que culminará paulatinamente no seu fim próximo. Todos esperam o eterno retorno do fogo divino heraclitiano que consome a matéria num devir infinito. Especialistas apontam suas causas para a decadência, projetam possíveis soluções em uma realidade tão complexa que depende da variante de múltiplos fatores e estratégias para o seu existir. Tal heterogeneidade transforma-os em sonhadores.
Mas não se preocupem irmãos. Há de vir o messias, aquele que trará a paz e acabará magicamente com todas as mazelas do mundo, sejam na natureza, os assassinatos, as drogas, a morte. Quanto maior a complexidade da vida material atrelada à ideia de progresso humano, causando-nos uma dependência institucional em meio a um emaranhado de forças, acreditamos que somente um ser imaculado e santo será capaz de nos guiar, de nos salvar. É nesse sentimento religioso de inferioridade que sustentam-se os Trumps, Bushs, Le Pens, Bolsonaros ou os Hitlers. Com suas propostas salvadoras da catástrofe arrastam suas multidões de dependentes químicos do espírito. Mas tenho uma novidade a lhes contar, o fim não está próximo, ele não virá.

Paulo Victor de Albuquerque
Vivisseccao.blospot.com

domingo, 18 de junho de 2017

Homo homini Lupus

Dizem que existo dentro de cada um de vós.
Preso, enjaulado, sob duas distintas ópticas. Do bem e do mal.
Mas como julgas moralmente um animal? Irracional? Desconheço tal palavra.
O fato é que bom ou ruim não me cabe, sua linguagem, humano, não me contém. Pois sou lobo, acima de tudo.
O frio e a noite não me amedrontam, mas também a luz do dia não me restringe.
Caço em bando, quando do bando me beneficio, mas em companhia qualquer encontro vício.
Sou o mesmo, em bando ou sozinho, meu caminho eu mesmo crio, esguio, esquivo com perícia das intempéries de um mundo hostil.
E nada me para, nem mesmo a vara e as armas do pastor de ovelhas.
Ao definir minha trilha, sigo obstinado minhas vítimas e as armadilhas, mesmo elas, não ceifarão meu propósito.
Nem que para isso tenha de arrancar minha própria pata, pois em mim há apenas uma chama inata.
Ômega, alfa ou Beta, minha meta é apenas​ uma, sobreviver.
A qualidade da qual falam vcs humanos e que a mim cabe, não é bom ou mal. É vida. Liberdade minha alcunha.
Não me furto da discórdia e da guerra intestina. Abraço-a.
Clandestina é a minha presença.
Não espere de mim complacência.
Isso também é outro nome que tem essência num viver que me é alheio.
Inocência não pertence a lupinos, mas a meninos que ao aprender o que é o mundo, nem mesmo donos são de seus destinos.
Minhas garras não tem amarras e minhas presas destreza para perfurar exatamene onde desejo.
Não há beleza na morte. Apenas sinta-se com sorte se algum dia me avistar. Do contrário caro humano, fique esperto. De certo não apareço nem sou notado por quem desejo atacar.
Muito prazer. Nem bom, nem mal, nem amigo, ou cordial. Lobo e só.

Júlio César Barbosa Dantas

domingo, 11 de junho de 2017

Thauma

Ninguém nasce pragmático
Paulo Victor de Albuquerque

O que nos é inato, talvez, seja a capacidade de nossa inteligência, para não utilizar o jargão usual do intelecto ou entendimento impregnado de categorias filosóficas, está na hora admitirmos uma palavra nova, digo, portanto, a nossa inteligência tem uma capacidade usual de instrumentalizar. Na linguagem, transformamos as forças que nos chegavam da natureza, os uivos ferozes, os chiados dos rios, os barulhos de insetos, animais, da água, dos trovões e de tudo que possamos imaginar diante de uma natureza, de um sustento que dependia de nossa força, transformamos tudo isso em canto, pedido de socorro, uivamos, restabelecemos distinções de sons entre a força que nos impulsionava na caça bem feita, inventamos cantos de ímpeto contra o inimigo e a hostilidade. Tonalidades e variadas formas de tornar comum um signo como expressão. Marcamos nas paredes uma memória impulsiva aos nossos olhos, iluminados pelas chamas do fogo. Quebramos, extraímos, tornamos pó, fizemos cores. Acaso isso não nos espanta? O fato de que ao tornarmos comum, comunicar, fomos aos poucos nos acostumando a sermos nós mesmos instrumentos, sendo determinados pelo mais fácil e adaptável que há em nós? Aos poucos fomos obrigados a incluir dentro de nossas pulsões um alfabeto, com muita força estabelecemos tal como a fronteira geográfica a distinção entre esse fluxo de linguagem externa e um fluxo de linguagem interna, mediamos tudo isso em gramática. Quanta força coercitiva há num alfabeto e numa gramática? Platão, quão assustado e thaumatizado estava Platão, quando tentava escapar e defendia um diálogo da alma consigo mesmo, sem a determinação da linguagem! Há uma crueldade na linguagem. O risco da linguagem como atalho, seu lado negativo do pharmacon como um veneno que não só se distanciou de nós, mas vem, por vezes, contra nós. Chegamos ao vício filosófico de pensar que essa força comum que atua em nós (a linguagem), seria o próprio dizer de nossa alma e de nosso corpo. Com bastante esforço forjamos o eu, o livre-arbítrio, a memória e a responsabilidade para responder por nós diante dos tribunais da razão com a marca do comum. E o que é a filosofia senão o ímpeto dentro da capacidade de tudo que se chama filósofo, a força que quer conter tudo isso e dizer em linguagem? De comunicar sem ser vulgar? O impulso na psique humana, a filosofia como força que quer domesticar um corpo e uma mente por meio de palavras, dominá-las e contê-las na memória. Quanta violência imprimimos nos bichos que habitam em nós!

Por Jayme Mathias Netto
Outrora.net

domingo, 4 de junho de 2017

No limiar

Encontrava-me absorto em meio a fragmentos de frases que me saltam ao corpo,
e que, como Nietzsche, me disponho a anotá-las em qualquer um dos meus blocos de
notas, digitais ou não, e eis que me deparo com esta frase. Quando a leio primeiro me
vem o quanto é uma boa ideia, não reconhecendo-a como pertencente a mim mesmo
nem a outro alguém. “Ninguém nasce pragmático.” Tal obviedade me faz reconhecer
que ela não me pertence, ela é um fato e eu somente a percebi, assim como quando você
repara em coisas que sempre estiveram lá, mas que nós tínhamos outras mais
interessantes para nos envolver. Não quero defender com isso o semântico ou mesmo o
pragmático, eu por mim ainda não disse nada, a não ser a máxima acima exposta.

Enquanto humanos podemos afirmar algo: somos seres que, ao nascer, ou seja,
antes de adentrarmos no jogo linguístico pragmático, possuímos uma vida literalmente
consumida pela sensação imediata, somente com o tempo organizamos linguisticamente
o estranho mundo sensível ao nosso redor. Aqui nos deparamos imediatamente com
uma aporia. O limite da linguagem é o limite da materialidade? A linguagem humana é
o produto do seu corpo com tudo aquilo que lhe rodeia, seu substrato é a própria
matéria. A linguagem é material. E até mesmo aquele que afirma um fora deve dizê-lo
de dentro, ainda se sujeita à imanência. Mas eis que algo vem à boca, perigosa como a
língua da serpente, bifurcada. Existe um limite para a matéria? Pergunta mau caráter de
um daimon malicioso. Não daremos ouvidos pois o limite não pode ser dito.

A filosofia jamais poderá tratar o limite, ele não nos pertence. O limite é
teológico. Esperança infrutífera de pôr um limite à própria vida. Todo nosso
pensamento insere-se mergulhado no meio, melhor dizendo, no limiar. O limiar é
transição, portal entre mundos abertos que se agrupam e dissolvem numa dança dos
átomos. A filosofia semântica está à procura do limite, castração da matéria
fragmentada em essência. No pragmatismo, o jogo é a busca do limite da linguagem.
Aqui o paradigma da linguagem se impõe como limite. Se linguagem é matéria não
podemos afirmar o seu limite, teologia.

Irmãos, o grande papel da nova metà-physiká é reconhecer os limiares, cisões
invisíveis que pairam sobre a matéria mas que não a limitam. O entendimento é o portal
entre mundos possíveis que se entrecruzam. Não podemos afirmar os limites da matéria,
mas somente seus limiares.

Por Paulo Victor de Albuquerque
vivisseccao.blogspot.com