domingo, 11 de junho de 2017

Thauma

Ninguém nasce pragmático
Paulo Victor de Albuquerque

O que nos é inato, talvez, seja a capacidade de nossa inteligência, para não utilizar o jargão usual do intelecto ou entendimento impregnado de categorias filosóficas, está na hora admitirmos uma palavra nova, digo, portanto, a nossa inteligência tem uma capacidade usual de instrumentalizar. Na linguagem, transformamos as forças que nos chegavam da natureza, os uivos ferozes, os chiados dos rios, os barulhos de insetos, animais, da água, dos trovões e de tudo que possamos imaginar diante de uma natureza, de um sustento que dependia de nossa força, transformamos tudo isso em canto, pedido de socorro, uivamos, restabelecemos distinções de sons entre a força que nos impulsionava na caça bem feita, inventamos cantos de ímpeto contra o inimigo e a hostilidade. Tonalidades e variadas formas de tornar comum um signo como expressão. Marcamos nas paredes uma memória impulsiva aos nossos olhos, iluminados pelas chamas do fogo. Quebramos, extraímos, tornamos pó, fizemos cores. Acaso isso não nos espanta? O fato de que ao tornarmos comum, comunicar, fomos aos poucos nos acostumando a sermos nós mesmos instrumentos, sendo determinados pelo mais fácil e adaptável que há em nós? Aos poucos fomos obrigados a incluir dentro de nossas pulsões um alfabeto, com muita força estabelecemos tal como a fronteira geográfica a distinção entre esse fluxo de linguagem externa e um fluxo de linguagem interna, mediamos tudo isso em gramática. Quanta força coercitiva há num alfabeto e numa gramática? Platão, quão assustado e thaumatizado estava Platão, quando tentava escapar e defendia um diálogo da alma consigo mesmo, sem a determinação da linguagem! Há uma crueldade na linguagem. O risco da linguagem como atalho, seu lado negativo do pharmacon como um veneno que não só se distanciou de nós, mas vem, por vezes, contra nós. Chegamos ao vício filosófico de pensar que essa força comum que atua em nós (a linguagem), seria o próprio dizer de nossa alma e de nosso corpo. Com bastante esforço forjamos o eu, o livre-arbítrio, a memória e a responsabilidade para responder por nós diante dos tribunais da razão com a marca do comum. E o que é a filosofia senão o ímpeto dentro da capacidade de tudo que se chama filósofo, a força que quer conter tudo isso e dizer em linguagem? De comunicar sem ser vulgar? O impulso na psique humana, a filosofia como força que quer domesticar um corpo e uma mente por meio de palavras, dominá-las e contê-las na memória. Quanta violência imprimimos nos bichos que habitam em nós!

Por Jayme Mathias Netto
Outrora.net

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