domingo, 28 de maio de 2017

Oculi speculum animae sunt

Ah o olhar! O olhar reluz, conduz, condiz e apraz.

Seduz, simula, dissimula e ludibria.

Eis que é astuto e seu intuito é muitas vezes voraz!

O que satisfaz a fome do olhar?

Somente a concretização daquilo que está lá no fundo, escondido no coração e deixa nos espelhos da alma brilhar.

Olhar de verniz, prediz no que as palavras se enrolam.

Transmitem os passos que muitas vezes se engodam
e desatam os laços nos quais nos deixamos emaranhar.

Engendra-se para onde ninguém mais vai.

Faz-nos tropeçar onde ninguém mais cai.

O olhar pode ser terno
ou tenso,
resignado
ou propenso.

E tal como se olha para fora, se faz para dentro,
para o centro
da alma do poeta.
Feito seta
o olhar que afeta
também se deixa afetar.

O olhar de inúmeras faces, de inúmeros instantes,  inúmeras almas.
O olhar da calma, o olhar da chance, do alcance ou do simples olhar para o mar.

Sim, pois, para dentro ou para fora, o olhar não demora, não tem hora, nem lugar para se mirar.

Seja o olhar que chora ou o olhar que espera.
O que odeia ou o que venera.
Nada escapa ao seu universo de significar.

É fascinante a multiplicidade que nos invade ao contemplar e perceber
que o olhar que absolve
pode ser o que condena
e o que acolhe
o que envenena.

Dos tolos que não percebem, só resta a pena de
não notar
que a comunicação pelo olhar
é notória demais para se deixar passar,
pois quem olha sabe o significado e é sempre para um resultado que se lança
essa dança,
que não precisa proferir uma palavra ou som,
para significar
para alguém,
um alento,
um intento,
um lugar,

seja ele de paz, ou de guerra,
no inferno,
ou na terra,
ou em tantos lugares quantos se possa imaginar.

Quantos poemas nos dizem do olhar?

Em quantas músicas a nossa bossa,em verso, ou prosa tentou nos mostrar
que olhar é privilégio
e fechar os olhos um sacrilégio
digno de quem quer se matar?

Seja quem for, valorize seus olhos,
os espólios
que eles lhes proporcionam,
sempre emocionam
aqueles que com eles não podem enxergar.

E que sejam quantas forem as músicas,
quantos sejam os versos,
ainda que se escreva o inverso,
deles haverá o que dizer.

Pois já dizia aquele velho ditado,
daquele pobre que sofreu um bocado, porque não sabia do outro,
porque ria ao ver o sol nascer. 

Àqueles que agora perdem tempo lendo esse projeto de poesia,
que possam sentir a alegria
do entardecer e que estejam cientes
de que não há lente
que limite o que os olhos falam à vida.

Não importa o que essa gente metida
a interpretar o que sente diga
o que dos olhos se deve dizer,
nunca ninguém em parte alguma jamais traduzirá, por completo, a essência do olhar.

Júlio César Barbosa Dantas
vivisseccao.blogspot.com

terça-feira, 23 de maio de 2017

Julho do leitor

Estamos fazendo a chamada de textos dos leitores do nosso blog Vivissecção.

A ideia é que no mês de julho, aos domingos, postaremos um novo texto dos nossos leitores.

Como alguns leitores se interessaram pela nossa escrita, pelo conteúdo do blog e querem também espaço para suas ideias e sentimentos, a gente decidiu abrir esse espaço de produção de pensamentos dos leitores. Uma​ forma de interagir com novas ideias e questionamentos.

O conteúdo dos textos são experiências singulares, poéticas e filosóficas, são vivências de recortes de intensidade que nos trazem de volta à vida, que nos fazem sentir de outra forma e também questionamentos viscerais.

Caso você queira postar seu texto, envie para : jaymemathias@gmail.com ou, na aba direita do nosso blog, está, a partir de hoje, disponível a opção de nos enviar uma mensagem com seu texto. Envie seu texto com seu nome(nome do pseudônimo caso queira), e-mail para contato e suas redes sociais (Instagram, Facebook etc.)

Enviar textos até 30 de junho. Posteriormente abriremos novas chamadas.

Jayme Mathias
Júlio César Dantas
Paulo Victor de Albuquerque

domingo, 21 de maio de 2017

Destino e Adaptação

Ajustado e adaptado à forma de minha vida vulgar e inapta, de prontidão e em sufoco na contramão.
Eu sufoco para enformar com a minha vida aquilo que julgo sem.
Será só isso sem vida ou eu também?

Quantas vezes eu inadaptado e posto a me adaptar?
Quantas vezes adaptando-se não me adapto?
Quantas mais vezes não me adapto menos vida tenho?

Sou eu mesmo ajustado e adaptado à minha forma de vida vulgar e inapta, sufocado, sufocando a mim mesmo para enformar de mim aquilo que julgo sem.

Mas será só isso sem mim ou eu também?
Quantas vezes sem mim estou?
Quantas vezes tão comigo e não consigo?
Quão mais vezes sem mim estou comigo?

O destino pai de qualquer desatino. Será ele fruto de meu desejo?

Se sim como posso saber o que quero, se meu querer pode ser tão profundo, deixando outros quereres menores, que não posso de lado deixar? Eu desespero!
E eu os desejo mais que aquele no fundo de minha alma a planejar? E quero!

O desejo e a adaptação quando entram de dadas as mãos, para prever não dá.
Menos ainda quando estão separados, parecem mais duas palavras inventadas, para se adaptar.
Ou ainda, que sufoca quem as usa, sem ser torta, para a alma melhorar.
Nunca se ajusta à minha forma inapta e de prontidão também!
Sempre na contramão das palavras falar.

Mas basta as modificar para na vida mudar o sufoco que não convém.
Essa é a esperança daquele que amansa.
Com destinos e palavras na balança.
No sufoco que convém à liberdade que se lança!

Trecho de Outrora: crônica de uns dias perdidos
Por Jayme Mathias
Outrora.net

domingo, 14 de maio de 2017

O estômago

Platão não foi o primeiro a pensar em formas variadas de alma, para alguns povos antigos os mais variados órgãos do corpo também possuíam alma, já que cada um deles detêm movimentos próprios. É sobre isso que o filósofo fala. Existe uma entidade dentro de “seu corpo”, que vive. Ela vive, mas agora foi possuída pela consciência que fala. Em cada ponto da consciência. O órgão não para. E se somente podemos falar sobre aquilo que pode ser dito, o estômago fala. Encontramos uma aporia: tudo que perpassa o tempo tem necessariamente memória? Será que para a efetivação da memória faz-se forçoso uma consciência? A consciência da memória já não pressupõe a existência, na própria matéria, da abertura à reminiscência?
O estômago perpassa o tempo, ele tem memória sua. Independente da consciência do filósofo o seu estômago reage às intervenções daquilo que encontra-se com ele, gerando cicatrizes que são as marcas do passado. A consciência filosófica pensa as cicatrizes, as marcas do tempo do estômago, tudo já estava lá. Para o estômago nada disso é resposta, muito menos dúvida.
Nós, almas penadas procuramos corpos para poder possuí-los como uma possessão profana, então falamos por sua boca, mas não é ele quem diz. Nós somos seres possessores, já diria Wittgenstein, falamos por meio da consciência o que o corpo-boca nunca poderia dizer. Neste sentido, a linguagem nunca passa de uma possessão de corpos. A memória nunca diz, ela sempre está lá, na matéria, em suas marcas, nos seus rastros. Mas para que se preocupar se no final das contas o estômago não passa de um filósofo...

Por Paulo Victor de Albuquerque Silva
vivisseccao.blogspot.com

domingo, 7 de maio de 2017

The Road to Nihilism

O que você absorve? Ou, mais importante, o que absorve você? O que o afeta?

Talvez não possamos controlar como o que é externo nos mostra, mas sim controlar a representação daquilo que se mostrou em nosso ser.

O significado surge da relevância dada à afecção sentida.
Origem-Jayme Mathias
Hipocrisias à parte, o copo cheio e o copo vazio são mais do que a forma como você observa as coisas. São a função que a água contida no copo vai desempenhar no seu corpo.

De que forma você se permitirá afetar por aquele meio copo de água? Sentirá certa saciedade e dará graças, ou acharia melhor não ter experimentado tão pouca quantidade para que então lhe despertasse mais ainda a sede?

Trata-se de muito mais do que de aparência. É sensação, além, introspecção, reflexão.

Ora, se a vida é como dizem "feita de escolhas", é a razão quem deve mediá-las.

Em um mundo em que a digestão das "coisas como são" é inversamente proporcional ao "que sabemos dessas coisas e desse mundo", deliberar acerca de algo simplesmente pelo que vemos, ouvimos, cheiramos, tocamos, só poderá nos conduzir frente à enorme muralha do equívoco. Obrigando-nos a viver numa eterna fantasia superficial digna de jornaletes e revistas de fofoca.

Ao tentar significar a filosofia do cogito, Descartes afirma que a verdade das coisas exteriores são diferentes de como as concebemos. Isso é o que, de fato, nos caracteriza como não dimensionadores da verdade.

Mas então o que é?

O que em essência nos possibilita conhecer, contemplar, vislumbrar um pequeno feixe, mínimo que seja, da luz da qual se referia Platão? Será que a verdade reside no fracasso de sua indeterminação tal como queria Pirro?

Será a razão uma brincadeira de mau gosto a fim de complicar aquilo que é simples? Um esforço mental que tal como areia, se acumula em volume, mas nada mais representa do que microscópicos fragmentos de incompletude?

Diante das "catástrofe" da subjetividade nos perguntamos: o que é real? Quando mesmo a pedra secular que caracteriza o início da história humana, a linguagem, hoje, encontra entraves que mostram sua incompletude, sua maldita subjetividade.

Será então a vida dos sentidos que deve ser levada?

Seria o Logos um erro? Uma espécie de bug de um sistema? Uma doença? Que nos conduz à infelicidade e à constante aporia, como em um loop eterno?

Pois, tal como Sócrates ao se deparar com a imensidão do saber, temos a certeza não apenas de seu tamanho, mas também de sua impossibilidade.

Por Júlio Cesar
vivisseccao.blogspot.com