domingo, 29 de maio de 2022

Serra das almas



As palmas das mãos calejadas
A calma estrelada da abóbada celeste
Perneiras para as picadas.
Apontam que ali não há peste, 
pior que o bicho homem.

Os espinhos do sabiá
Que se agarram por sob a testa
Como garras de quem detesta
Quem ali chega pra perturbar, avisam.


A mata não aliviará quem ali teimar em bulir.
E não apenas uma, mas toda criatura,
do carcará a saracura advertem no canto
 Que o manto que cobre o sertão
Fez o cansanção e a urtiga
E deu ferrão à abelha e à formiga
Pra brigar com a teimosia.

No meio do nada, o silêncio abafa até o sinal das redes.
O que aplaca a sede dos homens é o cansaço de brigar com o mato.

E todo dia é uma derrota. 
Que na manhã seguinte se renova
E a noite vira anedota achar que repelente funciona.


A natureza é implacável
E há muito fizemos a nossa escolha.
Hoje onde caem as folhas não repousamos mais.

Serra das almas pois ali o corpo físico jaz
Em meio a beleza voraz
Do que um dia foi nosso lar.

Júlio César



domingo, 22 de maio de 2022

Diferente

Teria uma coisa bem interessante para escrever


Teria algo daquela surpresa da arte


Teria beleza


Teria emoção


Teria choro e alegria ao mesmo tempo


Teria vida


Teria uma ideia que se liberta


Teria algo que finalmente sairia da cabeça


Teria algo que me pararia de incomodar


Teria palavras


Teria cores


Teria texturas


Teria mudanças 


Teria sensações para se livrar ou compartilhar


Teria tudo e


Teria nada


Teria todos e


Teria ninguém


Mas é que atualmente faço outra coisa diferente até de viver


Diferente até de observar e expressar


Diferente até de pensar


Diferente até de sentir


Diferente até de ser


Diferente até de olhar


Diferente até de cheirar, tocar


Diferente até de gosto, de paladar


Diferente até de som, de escutar


Diferente até do DNA


Diferente até do oxigênio


Diferente até de universo


Diferente até do conhecido e também


Diferente até do desconhecido


Diferente até do íntimo


Diferente até do público


Diferente de mudança


Diferente de ser


Diferente de estar e ter


Diferente de tudo


Diferente de nada


Diferente de todos


Diferente de ninguém


Mas é que atualmente vivo demais pra escrever, exprimir, só o que me interessa hoje é essa outra coisa que teria e seria o que não dá 

Nem pra dizer nem pra não dizer

Nem pra fazer nem pra não fazer

Nem pra gostar nem pra não gostar

Nem pra...

?

.

Tá ligado?

Jayme Mathias

domingo, 15 de maio de 2022

Ione

 

Deus nos presenteou com um universo enorme. Até onde se sabe ele possui 45,7 bilhões de anos luz, onde se encontram mais ou menos 2 trilhões de galáxias. Uma delas, em formato de espiral, é a Via Látea, nossa galáxia. Esse pequenino lar é composto por centenas de bilhões de estrelas com várias cores e tamanhos, mas somente uma nos é importante já que nos aquece, o sol. Esse jovem astro ilumina, com toda potência que possui, seus 8 planetas circundantes. Permite vida na terra, tudo meticulosamente calculado.

O planeta azul que habitamos, comporta cerca de 7,8 bilhões de humanos. Mas há entre eles uma mulher especial para todos nós, filha de Maria Colaço e Manuel Pereira, irmã de Mazé, Fransquinha, Aurimar, Raimundinha, Zeneida e Chiquinho. Mãe de quatro filhos, criados com muita garra, longe da família, sobrevivendo do seu esforço empregado na casa de vizinhos para pôr comida e amor à mesa, resistindo à fome e à solidão.

Ainda bem que essa foi somente uma parte de sua história. Retornando ao seu lar, com a ajuda da família, continuou a trabalhar para sustentar seus filhos, e logo conheceu o mundo da educação. Alfabetizou centenas de crianças por vários anos, lhes proporcionando o prazer de viver novos universos possíveis através da leitura. Lhes deu dignidade, esperança. A arte da educação transpira de seus poros inundando toda sua família, seus filhos, netos e bisnetos, sua igreja e seus estudantes.

A dádiva da vida não lhe foi concedida por acaso, a senhora nos gerou, nos formou, nos criou. Como um astro galáctico, há 80 anos a senhora nos sustenta, nos ilumina e nos atrai com sua gravidade natural. Sempre que preciso se faz presente, com serenidade e lucidez. Nos momentos difíceis, de acolhimento, de celebração familiar, litúrgicos, continuamente nos clareia com o brilho de sua sabedoria solar, nos acalentando e aquecendo. A senhora traz a nossa vida um sentido único, é criatura linda que inspira e ampara o nosso viver, marca nossa existência no firmamento tanto no corpo quanto na alma.

Em nossas vidas a senhora não é somente mais um ser humano, mais um número, mais um ser vivo qualquer, é, essencialmente, mãe, professora, irmã, tia, madrinha, filha, avó, bisavó, é minha Vó Ione.

Paulo Victor de Albuquerque Silva