domingo, 26 de maio de 2019

Dreamers

Vivemos e morremos fiéis,
vivendo os mesmos papéis,
de pais, irmãos e avós.

Fiéis a costumes, ideias, mercadorias...
vendendo a sí próprios teorias
de que não estamos sós.
Vãs filosofias...!
E que por isso devemos seguir um caminho ou outro.

Erguemos com veemência a metrópole e cada vez mais rápido ela nos engole.
Nascemos e morremos cheios de propósitos
não obstante, não passamos de depósitos, extratos e impostos de renda.

Seguimos o script dos sonhadores.
"Sonhadores nunca aprendem!"
E mesmo nos sentindo verdadeiros pais de qualquer revolução, subotimizados, somos impregnados de idiotisse útil. Descritos detritos, massa de manobra da nação.

Mas, sonhadores, continuamos fiéis, buscando faróis, no oceano de fogo e sangue que nos cerca.
Envoltos em lençóis, perdidos em bordéis, somos heróis de batalhas sofridas, sucumbindo diariamente,
renascendo a cada amanhecer.

Fiéis a coisas, pessoas, instituições, faturas, da fartura que provem o infarto futuro.
Há sempre um hábito , um "viés", vícios e resquícios, que embora cada vez menores, jamais se perdem.
Fiéis a quartéis de soldados de papel, cheios de dogmas que caem e se reerguem no crepúsculo dos homens.

Ainda assim, prosperamos no infrutífero.
Resilientes,
marchamos rumo à rotina do destino.
Na companhia do medo intestino, de cair no limbo dos ímpios e assim, arder no mármore do inferno, do incerto, do marginal.

Somos cacto brotando no asfalto,
Somos arautos de eterna teimosia e seguimos a sonhar alto com o "amanhã" utópico.
Em torpor...devemos permanecer,
ainda que tudo pereça, esperando que o amor teça a rede da esperança que nos segurará e amorteça a dor do sonhador que se depara com o choque de despertar.

Júlio César

domingo, 19 de maio de 2019

artaud

começai
o dia
cantando
artaud

forçai antes de começar
a forca
e a babaquice
cotidiana

antes de
tornar-se
cotidiano
como
o
dia
antes de acordar
antes do pôr do sol

o corpo chama atenção:
"estais vivo
antes da Sobrevida"

antes de nascer
fazer Nascer
antes de amanhecer
um Amanhecer
antes da liquidez
Água
prenhe
de si
como o
ar

cantai artaud em seu Tempo Próprio

cantai para depois falar...
"cantai
para depois compromissar"
"aprendei
o compromisso do cantar"

cantai...
antes que o corpo pregue a peça da sobrevida
antes que a alma vague prenhe de nada
antes que o vazio mate o dia

é nas microcoisas cósmicas que tornar-se-á livre
"fazei uma Teia
criai uma Rede"
contra a neurastenia
"sejeis forte:
estejais à altura de sua fraqueza"
um corpo sem agente

em tudo há de haver interesse
e se a leitura não interessa
tanto mais se faz apressada
porque a Leitura é o freio do tempo aberto
ao desejo e ao ritmo
desejante

Leitura é a Rede viva do Tempo Próprio
escrita de firmeza contra o tempo
paciência como contra-re-volta
ao desperdício de Vida

Jayme Mathias

domingo, 12 de maio de 2019

Um fragmento do tempo no espaço

Deleuze nos alertou sobre o surgimento da sociedade de controle, um aperfeiçoamento daquilo que conhecíamos como sociedade disciplinar. Sabemos que a concretização desta nova sociedade se deve às estruturas centenárias das instituições disciplinares que se enraizaram nas dinâmicas sociais modernas. A sociedade de controle encontra subterfúgios biopolíticos, e se fortalece, por meio da fragmentação da vida social - não estamos nos referindo simplesmente à disposição disciplinar dos indivíduos em territórios demarcados pelo açoite do cronômetro que modulam seus corpos - mas devido ao fim da experiência do limiar em face da metrópole onírica e seus espaços temporais fantasmagóricos.
Os limiares da existência sempre foram demarcados pelos rituais de passagem. Neles os indivíduos reconheciam o fim de um ciclo e o início de outro, experiência necessária para a constituição psíquico-social, evento interpessoal que envolve o indivíduo e seu grupo. Os fluxos ininterruptos que conectam o espaço e tempo da vivência contemporânea produzem um agora desprovido de memórias de passagem. Não transpassamos portais bem delimitados que demarcam o fim e o início de um novo território existencial, antes flutuamos entre tais territórios, assim como quem transita entre as imagens oscilantes do sonho. Logo, quando nos encontros em um novo território, é comum nos questionarmos “há quanto tempo me encontro aqui”? O espanto dos seres contemporâneos é com seu espaço e tempo.
Enquanto isso, como diria Benjamin, somos rodeados, diariamente, por diversas novidades – não vivenciamos o novo, somente a transposição do mesmo, do sempre igual. A novidade não se impõe somente enquanto mercadoria, ela também se manifesta na vivência da metrópole, torna-se um eterno retorno de novidades, gestos, moda, comportamentos coletivos, ideologias, sensualidades. Afinal, não me lembro como se iniciou o sonho, somente o vivo.

Paulo Victor de Albuquerque Silva

domingo, 5 de maio de 2019

Eu caçador de mim

Transito entre dois mundos... três talvez mais.
Em um, caminho ileso por entre os escorpiões.
Em outro, sou picado por todos eles.
Realidades paralelas, concomitantes, diversas.
Não me deixam alternativas a não ser viver tudo ao mesmo tempo.
Sou agricultor de idéias, mas nada colho para mim.
Sou também pensador de práticas transformadoras que nunca saíram do papel.
Talvez sejam onde elas devam permanecer.
Em um mundo, teorias da prática, no outro, práticas da teoria.
No primeiro meu intuito é o saber, no segundo, sobreviver.
Num momento sou letra genial, no outro a pura melodia que no final ainda soa incompleta.
Eis que se faz a eterna aporia!
Sigo "doce e atroz, manso e feroz"
Assim, de repente, como se presa e caçador seguissem juntos no universo onde procuro constantemente a mim mesmo, como o guepardo que persegue a lebre.
Os mundos se fundem em uma só realidade.
Com um misto de tristeza que se vê alegre, procuro por mim, sem intervalos.
Realidades múltiplas de um único destino.
Parece que não se pode mesmo "abarcar o mundo com as pernas".
Como uma mãe que olha pelos filhos, torço pelos dois, três ou mais versões de mim.
Que todas possam se realizar.
Que nessa procura, todos meus EU's possam "fugir às armadilhas da meta escura" de devorar a si.
Que no fim, não reste apenas um.

Júlio César