domingo, 28 de julho de 2019

Julho do Leitor: Rosa de Anne Jamille Sampaio

Por que tu choras? Por que demoras em um pranto manso?
Por que não vais e encontra o que é teu?
O que é teu, na verdade, sem ira e maldade

Segues, bela rosa, segues
Com tua vermelhidão
Ascensão
Feminino
No teu inocente jeito de amar
Amar o vermelho que de ti faz-se forma
definição
Beleza que não comporta a razão

Reza, bela rosa, reza
para que
o amor te aches
Mas que não te mates, de tanto sofrer

Que habite em ti, escorra de ti
Volte-se pra ti

Mas que não seja como o vermelho vivo do fogo
Que queima

E, ao passar o vento forte, deixa levar o perfume da calma
Restando cinzas ao relento e mais nada

Que o teu vermelho sangue
Tome para si a serenidade do vinho
Que vive seu mistério e se delicia a cada sensação provocada por seu gosto
No qual o passar dos tempos acusa a melhoria
Que voe com o gosto da liberdade pueril
Que faça morada na serenidade do amor mais gentil

De Anne Jamille Sampaio

domingo, 21 de julho de 2019

Julho do Leitor: O que eu também não entendo de Luciana Lis

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que nós somos"

- José Saramago


Ao observar a natureza e o homem torno-me de forma inerente parte dos verbos de ação que conduzem o universo, sei que assimilo através dos contornos diários um conhecimento pífio sobre a realidade humana - jamais saberei de modo palpável o funcionamento de todo esse cosmo, terei apenas muito humildemente a previsão de alguns fenômenos gerais: os dias de perder, de viajar, parir e outras tantas armadilhas óbvias e disseminadas dentre toda gente.


Vejo os homens debruçados diante de fórmulas, defensores de histórias vulgares, trajetos perpétuos, e quando inadvertidamente declinam diante do amor, da cólera, da pena, são o próprio atropelo diante da emoção inesperada, abalroados pelo susto. É bem possível que este seja o primeiro tracejo da massa da qual somos feitos, meus desejos silenciosos determinam acertos e erros que carrego ao longo da vida.


Diante das janelas, do alto de um balão, vejo que não somos uma tautologia, nada nos adequa e diz tão facilmente quem somos. Não sou cruamente um ser empírico e é certo que minha existência é cada uma de minhas possibilidades: ser, perder, diminuir, permanecer viva ou não.

De Luciana Lis

domingo, 14 de julho de 2019

Julho do Leitor: Os velhinhos me olham sorrindo de Julia Pereira

Quero encontrar Deus, 
vou para Morella.
Quero chegar no Flamengo, 
desço no Largo do Machado.  

Um passo atrás, uma parada à frente...
Nunca no exato lugar na hora certa.  

Tropeço nos velhinhos do Flamengo,
Recordo Morella, 
Penso nos meus pais. 
O olhar suplicante…            

Adoro velhinhos,            
que reencarnam em bebês,            
que choram, que esperneiam,            
que birram. 

Então, lembro o prazo perdido.
Então, lembro que me endivido. 

Fui pra longe que é pra ver se esqueço, 
Mas há ainda essa imunidade de merda! 

Sugada pelos anos indecentes 
Que consomem minha juventude, 
A saúde frágil, 
O corpo que não aguenta…              

Choro            
Esperneio            
Grito 

Mas Deus não escuta.
Meus pais não escutam 
Os velhinhos do Flamengo não escutam, e me olham sorrindo.   

Por Julia Pereira

domingo, 7 de julho de 2019

Julho do Leitor: Ritual de Jorge Raskolnikov

Os dois homens chegaram quebrando a escuridão com velas. Falaram palavras inteligíveis um para o outro. A noite avançada nas horas, na penumbra que beneficiava medos e terrores obscuros. Os homens se posicionaram diante da vítima. Ela abriu os olhos e reconheceu seus algozes. Não haveria como resistir. Eles a tomaram sem esforço. Iniciou-se a cantilena monótona, e das sombras surgiam vultos assumindo seus devidos lugares. Era impossível que o mal puro, na mais primitiva forma não se fizesse presente. Puseram a vítima sobre uma espécie de altar, lugar onde se ama e se descansa, verdadeira profanação. Nesse instante usada para fazer o ódio. O som se intensificou, o ato estava prestes a começar. Ela foi privada das roupas num instante. E os olhos oriundos da escuridão se arregalaram satisfeitos. A degradação máxima, o vilipêndio da pureza tinham agora lugar na terra, exatamente ali. Um insulto ao Criador, a tudo que era benéfico e inocente, o gesto obsceno aos céus, a jura de pecado mortal. No altar a vítima sofria, ouvia os rogos e adulações justificando aquele ritual. A música não cessava. O sermão diabólico se elevando em palavras no momento da celebração. Os sacerdotes do demônio se revezando na liturgia maldita. A dor, o sofrimento de alguém sem culpa, abandonada à própria sorte, sofrendo a violência da missa satânica. O anjo caído veio correndo. Como não fosse onipresente, precisava de pernas para chegar, de mãos de carne e osso para roubar e genitálias para mijar e violentar. O louvor do mal chegou ao extremo, se intensificando até ao ápice, as sombras se contorcendo jubilosas. Os sacerdotes exultavam satisfeitos, o sacrifício no altar chegando aos termos finais, embora não fosse a oblação máxima, pois ainda teria vida física. Um pouco de sangue fora derramado, mas foi logo lavado pelas lágrimas da garota. Os homens cuspiram em seu corpo como parte final do ritual. As sombras foram se retirando. Eles a pegaram, estranhamente carinhosos e a levaram de volta. Ela ficou encolhida no canto, catatônica pelas imagens de puro horror. O mal na terra, verdadeiramente realizado.

Jorge Raskolnikov
Livro do autor: "Cadernos de Sombras"
Leia mais no ebook :
https://www.amazon.com.br/Caderno-sombras-hist%C3%B3rias-curtas-terror-ebook/dp/B07PWGW77M