sábado, 16 de setembro de 2023

Voltando.

 Voltei

voltei pra essa chibata

quando nunca saíra daqui, mas agora voltei

dei uma volta, uma virada, um arrudei

tô aqui, de novo, feito praga armada, de língua afivelada

carta marcada, viciada, arrumada, planejada, demarcada, cifrada, copiada

e eu aqui de novo, mais uma vez


Voltei

voltei cara de chibata

pistola engatilhada, mirada no imbigo

no cu do mundo, lá onde o tudo deu volta

roleta russa em prosa


Voltei

voltei pois não ficarei

psicanálise do escrito, desterrado vir a ser da fala

entre o dito e o não digo

entre o sendo e o estado

voltarei já que ficando

gerundiando a volta que a língua dá ao centro

cearense coisado, meio afobado

agoniado e cutucado pelo nomadismo da estrada


Um dia voltando

Um dia vindo

Nó outro

Volta dando

Paulo Victor de Albuquerque Silva.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Existência do não ser.

 


 

Havia algo entre as eras, algo que não era

Existia sem ser vista, nas entranhas dos dias, muda ficava

Em meio a isto e aquilo, não dizia

Se ser é ser percebido, então não era, pois não havia

Um não lugar, não ouvido, não sentido, não comido

E as horas passavam ao seu largo, mansa corrente de era

Arrastando tudo e todos que transcorreram

Mas aquela coisa no meio deslocada, fora do radar, nunca era

Não é o nada, pois o nada tem sido

O não ser, existente, puro e límpido como tudo o que não é percebido

Se escrevo sobre ela é porque quero que não seja

E faço isso com o verbo, dentro do Ser que é linguagem

Dizer o indizível já que nunca percebido

Mas ela está aqui bem perto, íntima do lugar em que a palavra não mora.

Paulo Victor de Albuquerque Silva.

domingo, 6 de novembro de 2022

Centelha

  


Vivemos num mundo de pesadelos reais.

Onde, cedo ou tarde, enfrentamos o que mais tememos.

E nos tornamos tudo aquilo do que mais fugimos.

Há um magnetismo inexorável e inevitável que nos atraí.

Onde aquele que canta, morre enforcado.

O fiel, trai.

Aquele que treina, morre deitado.

Repousa uma ironia macabra.

Um ímã do inevitável, que arrasta a todos ao "Maktub"

Somos consciência coletiva perdida em sua derrocada?

Os segundos finais de atividade cerebral post morten.

Diriam os Maias.

Onde o tempo ficou na relatividade de Einstein.

Sofremos juntos a alucinação de Belchior, todos os dias.

Mantemos acesa a centelha divina

Que mina o real, mandando a salvação para uma vida além.

Tirando muitas vezes o foco, de quem estamos nos tornando aqui.

Quem é você para além da sua casa?

Quando o sapato aperta?

Quando a festa acaba?

Quando no final da reta, havia uma curva, uma cova rasa e uma arma com uma bala só?

Quando a mente turva e o julgamento opaco falham em te assistir?

O que você deseja? O seu? O do outro? O de todos?

Quem é você?

Ouro de tolos reside na ideia de que a indecisão é decisiva.

De que quem se encontra, assim o faz na missiva, de se esquivar do que já te atingiu.

No silêncio, a história se tinge de sangue mais uma vez.

Vivemos um mundo de pesadelos reais.

Onde, cedo ou tarde, enfrentamos o que mais tememos.

E se você não estiver na frente estará atrás.

E o silêncio não falará mais, apenas te arrastará para aquilo que você mais teme.

Júlio César 

domingo, 23 de outubro de 2022

Todo dia

Todo dia
Todo dia
Tudo bem
Tá gordo
Tá velho
Tá bonito
Tá sarado
Tá fumando
Tá bebendo
Tá depressivo
Tá alto
Tá baixo
Tá franzino
Tá esquisito
Tá grande
Tá pequeno
Tá mal visto
E esse corpo que não aguenta mais 
tanto vício
E quem pune é o teu mais
conhecido
E quem te trata é também
adoecido
E a cura na falta de ombro
amigo
E essas teclas que nem sequer
ligam
E essa falta sem
perigo
Pra que tanto
desperdício
Se a vida é correr
risco?

Jayme Mathias

domingo, 16 de outubro de 2022

Verdades.

 

Eu minto para a vida sobre ser

Minto saber o que sei

Minto sobre o que não sei

Minto o porquê sei

Eu minto para continuar vivo

Minto pra miséria

Minto pro amor

Minto pra morte

Eu minto quando faço arte

Minto quando escrevo

Minto quando crio

Minto em poesia

Mas a pior mentira não é para mim mesmo

O deus da mentira não é o diabo

A mentira não é a ausência da verdade

Eu minto de dia e de noite

Minto de corpo e alma

Minto pra filosofia

Minto para honrar a falsidade

Eu minto com o não dito

Minto o dito

Minto dissonante

Minto em silêncio

Eu minto quando busco a justiça

Minto quando tenho virtude

Minto na igualdade

Minto em legalidade

Eu minto pois a mentira é o último adágio da verdade

Paulo Victor de Albuquerque Silva


domingo, 9 de outubro de 2022

Expiação

 


Sou culpado.

Assim me considero.

Não espero clemência, 

Mas pagar aquilo que devo.

Não a homens, não a crenças 

A mim mesmo.

Nenhum tribunal jamais me incumbiu.

Nenhuma instituição para me eximir da pena.

Minha sentença é reconhecer e também suportar.

E quando me faltar energia, que me sobre força.

A mata branca confidencia minha dor.

No céu o imperador dos astros, inclemente, faz descer sobre minhas costas o seu chicote.

Resignado, ouço seu clamor.

O suor que como sangue serpenteia em minha testa.

Atesta a expiação.

Estunado, movo-me lentamente na superfície escaldante.

O instante é infinito.

Não há injustiça. Não há lamento.

Pago o que devo.

Sob o firmamento, sou ciente

De que meu silêncio jamais me eximiu.

Do erro contínuo ao qual pertenço.

Vício ou virtude? Me atenho ao fato.


Imperfeito

Errático

Estou.

Devo então expiar, para curar, criar casca e cicatriz

Pois tudo que nasce morre.

Para que renasça algo melhor, algo que condiz

Depois de toda a expiação,

Estamos, meu bem...



                                       por um triz.

domingo, 25 de setembro de 2022

Havia

 Tinha no ônibus um carinha que dizia

Eu podia tá matando

Eu podia tá roubando

Ele dizia o resto que rimava muito bem

E quem sabe conhece

Mas vou pegar só esse trecho

Eu podia tá matando

Eu podia tá roubando

E nesse ritmo penso

Eu podia está fazendo isso e aquilo

Eu podia tá resolvendo as coisas da minha carteira de motorista

Eu podia tá adiantando um trabalho que não tem prazo, mas o cliente só paga quando eu terminar

Eu podia tá dando um jeito da grana entrar mês que vem sei que tem pouca ou quase nada

Eu podia tá estudando a fundo um assunto filosófico do meu interesse

Eu podia tá vendo um novo ap para me mudar

Eu podia tá publicando um artigo acadêmico

Eu podia tá traduzindo um artigo para publicar

Eu podia tá dando uma volta na cidade

Eu podia tá andando de bicicleta

Eu podia tá planejando ter filhos

Mas, pasmem, tou justamente pensando em todas elas e escrevendo sobre elas

Nada disso tem nada a ver com vivê-las

Nada disso tem nada a ver com fazê-las acontecer

Mas simplesmente não faço nada delas

E escrevo sufocado por pensar em fazê-las

Admirado com a capacidade da memória em saber de cor tudo o que tem que ser feito e que justamente não faço

Ela parece até que é inimiga da preguiça que tanto sinto agora

Tenho preguiça, falta de ânimo e nada me motiva para fazer o que listei acima

Talvez porque realmente não faça sentido

Nunca planejo futuros, nunca os vejo, nunca os vi, o que faço acontece e o que acontece nesse momento é o texto

Um texto que alivia uma memória cansada

De tanto lembrar essas coisas, esses ciclos

Quando se escreve, as conexões se tornam elásticas

Mas nunca vou me entender

E até cansei disso, cansaço e preguiça é o padrão e a norma de toda a minha escrita

Um século da atividade, não obstante cercado de uma pandemia

A memória sanguessuga de mim

O texto sanguessuga da memória

As palavras sanguessugas do texto

E eu querendo sarar tudo isso

Aprendi a escrever para fazer sarar

Foi cedo, bem cedo na infância que queria escrever história quando li meu primeiro livro

Os Pequenos Jangadeiros de um tal Padilha

Li não, foi meus pais que leram para mim

Eu tinha e sempre tive a tal da dislexia pedagógica

Pra eu me centrar numa frase qualquer dói até as pernas

Quem tem sabe como é

Tá vendo isso? A memória vai ativando outras coisas

O que gosto da escrita é isso, ela vai fazendo a memória puxar os fios

Ela vai fazendo a memória ser outra coisa que não cobrança

É como se a memória tirasse férias da mente

Porque sou pensador, minha profissão nunca para, nem que num tenha nada a ver com pensar filosofias

Se não encontro no mundo ou nas pessoas os problemas, encontro em mim mesmo

Mas na verdade invento, porque nada disso existe

Nem a filosofia existiria se não fosse essa coisa de sarar por meio de textos e memórias

Quando conheci os filósofos de perto percebi, cada um deles tinha essa agonia que sinto

Essa dislexia com o próprio tempo, uma falta de ritmo, uma falta de rima com o que vive

A memória de todo filósofo encheu o saco daquele cérebro até ele ir lá e fazer o texto, de novo a memória tirava férias

Ou mesmo a fala

É só ver Sócrates e seu Daimon

Cristo e seus apóstolos, a memória deles cansou e tirou férias

Se Sócrates não falasse ia ficar doendo a perna dele o dia todo

Jesus também, por isso nem um dos dois escreveu

Igual dói a minha pra me concentrar numa tarefa como aquelas que listei acima

Tarefas que dão preguiça

É muito interessante essa tarefa de desopilar a mente com outras memórias

A mente de férias

Acho que comecei a filosofar porque minha mente queria essas férias forçadas

As férias da mente é quando ela ganha força para pensar por conta própria

Tanto é que a metafísica é a produção mental mais criativa da filosofia

Ou o filósofo cria uma metafísica ou aceita a do seu próprio tempo

A do nosso tempo é mercado, política e capital

Nunca mudou muito

Mas há várias outras

Porque é só a mente não se satisfazer com isso que ela vai atrás de outras e, se não acha, cria rápido

E pega aquele corpo, se apossa, faz filosofia nele e bota para escrever

Se tenho uma filosofia é porque acabei de descobrir e é essa

A mente que se apossa de tudo como um Daimon

É ligeiro a forma como se expressa, mas devagar sua insistência

As ideias insistem como escorpiões sorrateiros, vão acumulando e aprimorando veneno

Até que chega um dia que a mente cansa deles e arrasta para o texto tudo o que tem que dizer igual a um carneiro de chifres galopando para atacar o oponente

Ele tem que encher de ar os pulmões e fazer na máxima velocidade nas pernas, com os chifres e o restante do corpo pronto para aquele instante depois de anos de vida

Esse texto foi desse jeito e todo texto é

De uma forma ou de outra, essas férias da mente acontecem porque ela fica brava com os pensamentos

Todo Daimon é assim

E vejo que com quase tudo na vida sou assim

Então tudo isso é só coisa minha

Que talvez sirva para outra pessoa também

Vai que as almas batem igual dois carneiros de chifre

Se não bater, podem tomar emprestado ao menos a necessidade

E sou assim com tudo na vida, acumulo um pouco depois vou lá e bum, resolvo duma vez com perfeição e maestria ou de pouco em pouco para dar certo

Quando é difícil vou de pouco em pouco pelo mais fácil

Quando é fácil é bum atrás de bum

E agora o que cansou foi o texto em si

Que já tem ar de despedida

Ele já vai e só volta quando tudo isso de volta ocorrer

Mas talvez volte logo, porque, apesar de tudo, sinto que não sarei

Ainda penso no que tenho que fazer e nisso e naquilo que me falta

Por isso que dizem por aí que filosofia mesmo não morre nunca e num serve pra nada