domingo, 25 de agosto de 2019

Releituras (a)gosto: Vox Populi

Eis que é chegada minha vez  e hei de ser, logo hoje, nesse dia cinza e cheio de insensatez, o rei que com o dedo declara a queda no tabuleiro de xadrez.

No jogo de hoje, no entanto, todos perdem, pretos ou brancos, ledo engano!
Os pinos serão colocados dentro da caixa de madeira. Eu e vocês! Segue o plano! Onde amontoados, estaremos lado a lado, no escuro da impotência.

E logo eu, que não sou lá muito fã da raça humana, logo a mim foi legada a missão insana, de deixar a mensagem poética que intentava falar de algo que nos valesse.
Da ética ou da polidez de um povo que na busca pela sobriedade, só encontrou embriaguez.
Embriaguez do espírito, consumindo para si algo muito pior que álcool líquido, o veneno que escorre da mordida da víbora sorrateira, que com a língua bífida profere ser temente a Deus, enquanto aperta a presa indefesa que não concorda com os seus...

Queria chorar, mas não consigo. Queria abrigo. Onde não tivesse que escolher entre flutuar sobre um pato amarelo, no mar  vermelho do sangue de trabalhadores enganados, ou dos menosprezados, pretos, pobres, minorias que pra os nobres "tem mais é que morrer!"

Difícil acreditar em tamanha fantasia, mas se olho de um lado vejo Franciscos e Marias depositando suas esperanças e alegrias em um falso Messias, que da palavra sagrada só levou em conta o apocalipse.

E, se viro a face, vejo de dentro do cárcere nove dedos regendo a orquestra da perpetuação de uma laia que esqueceu que, à parte de todos os malotes, tem sob os ombros a luz de todos os holofotes, apontando à espada de Dâmocles, que pendula sob a tensão de um fio de cabelo.

É gritante e, além, no mínimo paranóico. Que da polarização do povo heróico, o brado retumbante que se ouve é: "vai pra cuba! Vai pra Venezuela!"

Saudade daquele povo que só se preocupava com novela, pois, pelo menos nela, a ficção não saia nas ruas batendo panela, acreditando, vã, no fim da corrupção.

E a inteligência, hoje, nos põe em definitivo, na previdência da providência, vira burrice em sua essência e de nada nos impediu à chegada deste triste fim.

Ele sim,
          ele não,
                   no final,
                            tanto faz!

Aqui jaz um pátria chamada Brasil.

Por Júlio César
Vivisseccao.blogspot.com

domingo, 18 de agosto de 2019

Releituras (a)gosto: Texto sem pretexto

O texto de hoje é sem pretexto. Política. Qualquer coisa, nem leia. Uma expressão multíplice de várias partes que querem virar texto. Um amontoado de retalhos que digo ser um “eu” no espelho. Vejo o velho Aristóteles em sua Política, li e reli, tinha muito a falar sobre sua Ética, li e reli sobre os demagogos, militares e tiranos. Tinha tanto a acrescentar, palavras belas a dizer, argumentos concisos para convencer, entender, refazer e como era belo, oh Deus! Mas afoguei-me no pensamento. Por isso o texto não fala de política nenhuma. “Que pena!” diz um leitor de dentro de mim, ardendo para se alegrar se a sua verdade fosse igual a minha ou para me destruir se não fosse, e, principalmente, ardendo para falar mal, discutir, caluniar, xingar e querer me matar. Afinal, não falar, não ter nada a dizer é como se tivesse faltando um braço ou uma perna hoje em dia. Não ter opinião é como se fôssemos doentes dos olhos ou sem ouvidos. “Burro, alienado, idiota” - utilizam palavras bonitas esses meus fantasmas, explicam a etimologia greco-latina das duas últimas. “O texto é assim mesmo, desconexo e por se fazer. Barroco.” Explica outro a tal da parte estética. “Orgulho-me de não ter posição, sequer opinião”, sussurrou o próprio texto no meu ouvido. As teclas anunciaram: “Covarde e ignorante”. Uma voz qualquer que dizia ser da consciência grita: “quantas vezes devo te dizer que tu pode mudar e fazer a diferença”. Diante de tantas cabeças célebres e pensantes dentro de mim mesmo, perguntava: “que sou eu?” Diante desses príncipes vaidosos, “que sei eu dessas doxas e ortodoxas?”; “E como ousa tudo isso ainda querer resposta e ainda digitar um texto?”; “algo que faz dentro de mim achar que é como um homem de filia e sofia?” Uma dessas partes toma parte e diz que não tenho certeza de nada, que não se prevê nunca o futuro, que não sigo a estrutura da lógica, mesmo duvidando de tudo. Como se a lógica não devesse nada à parte que palpita no peito e também não fosse só mais uma que quisesse a vez na orquestra. “Se isso, então aquilo!”; “Se ele, então não ele”, brinda outros no canto. Por essas coisas já se amou e se odiou e tantas outros entre esses dois sentimentos. Um amigo anarquista reverbera dentro de mim: “contra as estruturas”, outro vai e assume a posição sócio-crítica mais atual, com mais dados atuais, com mais atualidade que os dados atuais, pois ele antecipa o futuro, o vidente. “Se isso, então aquilo” e conta  suas razões e diz suas verdades e calunia os outros por não entenderam nada sobre a verdade, acusa-o de estar ludibriado: “Se isso, então isso”, clama pelos cálculos monetários e pelas paredes sólidas da corrupção, anuncia um novo país. Outro pedaço de mim, quase morto: “ainda tem olhos de criança?”. Outro acusa que esse negócio é cristão, outro diz que é melhor matar e comer capim pela raíz. “Todo mundo tem a porra da razão e ninguém se resolve”. Uma parte de mim chora, outra ri, uma ama e a outra odeia. Fragmentado como o maquinário de moer carnes, como teria eu qualquer certeza se a carne em que habito sequer sei como funciona? E ainda assim tenho estômago, olhos, bocas, braços, pernas, cu. E atrás de mim toda a histeria histórica como exemplo, mas continuo tendo uma parafernália que funciona mas nunca compreendo. Banhado de certezas estão todos saindo de casa, banhados de vômitos uns dos outros, comendo os dejetos putrefatos. Cada qual vomita sua verdade, mastiga, engole. E eu que nem sei qual merda sou, qual dejeto tem aderência melhor, seria eu quem deles? Qual desses fragmentos de mim me agarro para ser amigo ou inimigo? E eu que nunca soube o que saber ou sequer sei o que é saber algo, será eu o que? Vai longe essa parte de mim que chamo de razão e vai longe tudo que ela propôs de forma tão racional, tão previsível, monótona e inútil. Todos os argumentos são racionais, belos e "para o bem de todos". No entanto, num tenho nem a certeza do próximo passo dado. Ninguém chega ao consenso, mas os dados são todos reveladores e que que isso muda? E que que alguém ganha com isso? Porra nenhuma! Um pedaço finalmente conclui: "Que inveja tenho eu das plantas!"

Por Jayme Mathias Netto
vivisseccao.blogspot.com

domingo, 11 de agosto de 2019

Releituras (a)gosto: O satanás da revolta


Pobre diabo, só quer a revolta, nada mais.

Não é o dinheiro, a carne, a glória.

Tudo conversa besta. Ele só quer a discórdia.

Satanás, o grande NÃO. Não quer ser ouvido.

Nunca disse uma palavra sequer. Ele atenta!

O cão atenta nossa consciência, negando o que nunca foi negado.

Nega o texto e a poesia.

O Satanás diz não.

Para toda regra há uma exceção.

Ele não é o espaço em branco. Não é a dúvida, nem o vazio. Não é o nada.

Ele é o não.

Ele não é a maldade. Não é inimigo de Deus, nem da civilização.

Ele é o não.

O diabo não é a santíssima trindade. Ele é uma só serpente que engole o próprio rabo.

Círculo que não é aliança. É eterno não.

Nossa vida seria vazia sem o diabo. Jesus não teria companhia na solidão.

E até Deus não percebe que para resistir às tentações do Cão no deserto ele também disse NÃO.

Paulo Victor de Albuquerque Silva

domingo, 4 de agosto de 2019

Releituras (a)gosto: A morte de Acteon

Somente aquele que teve o infeliz acaso de encontrar-se com a evanescente sensação da perda de si, acometer um ente próximo, consegue ver os pormenores semelhantes ao momento histórico que vivemos. Sim, porque nada mais somos que uma grande catarse coletiva que destrói a si.
Vivo no país do Alzheimer e vos direi o porquê.

O enfermo que apresenta tal moléstia perde-se, por vezes, entre a infantilidade e a incapacidade. Os dias, alternos, por vezes, são de manutenção de uma falsa estabilidade, outrora, de total regressão.
A sombra de quem um dia foi traduz-se em um vulto cada vez mais distópico.

Aos poucos, volta-se ao momento do infante e tudo parece novo de novo. O simples abriga a graça da descoberta. A inocência se mistura com a incompreensão de cometer os mesmos erros, que de alguma forma gritam de um lugar ermo no inconsciente e que "já foram cometidos". O conflito de "quem é" com "quem era" provoca choques turbulentos, que submergem o acometido em um torpor cada vez mais intenso e os dias bons tornam-se cada vez mais escassos.
Progressivamente, esquece-se de quem é, das necessidades fisiológicas, de respirar e, por fim, de sobreviver.

Pois, se lhes parece triste a sina ao tratar-se de um ente querido acometido por esse mal, imaginem o quão desesperador seria descobrir que somos nós também a massa cinzenta que a cada dia se autodestrói!?
Pois, se para Hegel a história tem um espírito, vos digo: ele tem Alzheimer.

Somos nós brasileiros, ou mundiais, a prova viva da regressão e transgressão primeira para tudo o que é torpe. Ora, se não somos a inversão de valores, o discurso de ódio, a "fake" news, então o que somos? Se não é a "memetização" do "politicamente correto", a brincadeira "inocente" do Alzheimer com tudo o que demanda seriedade?

E assim somos e vamos, acometidos por uma corrupção metafísica, incorrendo nos mesmo erros, elegendo os mesmos inaptos e nos isolando cada vez mais em nossas ilhas digitais de indignação. Cercados pelas tsunamis do ultraconservadorismo, sofremos continuamente a plasmólise da vida social, buscamos pelo bote esclarecido da salvação que nunca vem. A autorreflexão torna-se ilusão de grandeza e opinião e razão viram sinônimos.

E os que pensavam ser Ágora, eram senão mais uma multidão doidivana a clamar por sangue no anfiteatro Flaviano. Torcendo para que Acteon seja devorado por seus próprios cães. Abrigamos o lobo e atiramos na chapeuzinho, enquanto as cadelas, das quais nos alertara Brecht, continuam a esgueirar-se impacientes, seduzindo os ébrios que cruzam seu caminho.

E o que se entende por reviravolta do absurdo,  tratam-se dos "glóbulos brancos" no cérebro enfermo, atacando repetidamente a si. Na esfera macro ou naquilo que se entende por estado, estas mesmas partículas denominadas "bolsominons" ou, ainda genialmente definidos por Albuquerque (2018) como frutos de uma "ontologia do progresso", atacam o próprio organismo pensando estar poupando-o de um stress maior, enquanto empurram-no incessantemente ao colapso.

Autoimunes, resta-nos agarrarmos à leve sensação de alegria das descobertas já feitas e não lembradas, enquanto voltamos a engatinhar sem entender bem por quê.

Que possamos então aproveitar nossos dias bons, até que não reste nada mais e voltemos a ser poeira cósmica.

Por Júlio César Barbosa
vivisseccao.blogspot.com