domingo, 31 de janeiro de 2021

Aí dentu!


É a partida de futebol sem jogo

Carteira de cigarro sem nicotina

Dinheiro virtual sem cédula

Lata de cerveja sem álcool

Café sem cafeína


Carne de legumes

Adoçante sem açúcar

Melancia sem caroço

Água doce que é ardente

Laticínio sem lactose


O placebo da vacina

A vida sem ser vivida

Vírus que é gripezinha

Verdade que é de mentira

A doxa científica


Governo desgovernado

Democracia autoritária

Xerox que não copia

Histórico de atleta sem esporte

Surrealismo na vigília


Escritura sem texto

Arte realista

Felicidade que é alegria

Poesia sem verso

Droga que não vicia


Filósofo sem filosofia

Paulo Victor de Albuquerque Silva


domingo, 24 de janeiro de 2021

Desutilize-se

PROcurei temas, dilemas, dúvidas,aporias


CRASso vácuo criativo deixado pela microscopia do terror


STIgmas que tão cedo serão esquecidos


NEIxente, cria, como provavelmente Krenak diria:


"Você não tem que achar utilidade em tudo."


Júlio César

domingo, 17 de janeiro de 2021

Imanência

 Manoel de Barros foi tomar uma

Com o Kurt Cobain

e o Spinoza ficou à espreita.

Eles me convidaram nesse dia pra inverter as coisas,

Fazer tudo conforme outra lógica,

Por isso apelidei os meus amigos de

Paulo César e Júlio Victor,

Pra coisa ficar invertida, quer dizer, imanente,

Evacuadas num azul pólvora cintilante, e foi o que eu fiz,

Como uma visita apática de um verme saltitante

Aí foi quando enxerguei algumas coisa melhor, justamente porque são mais divertidas:

Na verdade, a cor é que arromba o olho para melhor ser vista.

Nem o claro demais nem o obscuro querem nada comigo, ambos ofuscam.

O fogo nunca entra no baile das sombras.

O pensamento humano que pense sem mira, porque a vida quer pensar sozinha.

O nada é que é empurrado pelas coisas que já haviam pedido para serem destroçadas.

A pressa é típica das pernas ligeiras e dos membros inferiores.

As árvores e demais plantas imitam os pássaros querendo ir para cima.

O som do canto desses mesmos pássaros arrombam meus ouvidos para serem ouvidos.

Meu tato, na verdade, é cheio de ironia e é o órgão mais longo do meu corpo.

O ouvido consegue enxergar o verde e o melancólico para quem os sente.

Os olhos sem nenhum dos sentidos também riem e falam pra se acabar.

Foram as pedras que conquistaram as mãos dos bichos e também dos humanos para conseguirem se movimentar pelo planeta e sair voando de um lado pro outro.

As palavras dentro do paladar abocanham antes todo o resto para serem ditas.

E elas sentaram agora na mesa farta como um rei lá no meu céu da boca.

As palavras inocentes, no entanto, estavam sem cabeça, muito embora no meu céu não haja guilhotina.

Elas então desceram e foram parar na ponta dos meus dedos e só aí viraram texto, na ponta de uma caneta azul pólvora cintilante evacuadas numa visita apática de um verme saltitante.

 

Jayme Mathias Netto

domingo, 10 de janeiro de 2021

Crepúsculo dos mitos

Nenhum deus faz filosofia. Nenhum deus nega, questiona, reflete, rejeita. Nenhum deus é o não ou a negação. A filosofia é mortal, demasiadamente humana e anti-mitológica. Ela é proveniente da finitude, da história, do afeto, sem télos. A filosofia surge do limite, limiares cartográficos, cósmicos e moleculares. Quando cria seus conceitos, faz para que sejam renegados. A filosofia é pecadora. Ela planta na terra seus frutos retirados dos galhos mais altivos, derrubando a marteladas.
A filosofia é mortal, está fadada ao perecimento. A certeza de sua ruína é o que lhe move e lhe imobiliza, ela tem pressa de viver. Em contrapartida, deus vive sua eterna solidão e a certeza do destino. Logo, a verdade filosófica jamais foi revelada aos humanos, ela é uma paixão que nos invade e nos transmuta. Nela, deus é trans.
Mesmo perante toda inveja divina, a filosofia resiste, fragilizada e inquieta, finitamente humana e precariamente mortal. A filosofia é a mosca que pousou na sopa e que pintou pra abusar o agonizante mito brasileiro.

Paulo Victor de Albuquerque Silva

domingo, 3 de janeiro de 2021

D'abord



Assim como a dança é para o dançarino seu oxigênio, a poesia é para o poeta.

Um universo tão necessário e singular reside em cada um, quanto distingue-se alheio aos que não vivem de dança ou poesia, ou de odontologia, ou quaisquer outros ofícios. Porém nem tanto assim.

De modo que ainda que o poeta não esteja excluído de sentir a dança, a percebe como poesia do corpo. E o dançarino encontra na poesia uma dança de palavras.

Trazemos à nossa percepção o mundo como o amamos ou odiamos, o associando àquilo que conhecemos como real.

Essa captação singular e sensível é o que nos torna únicos.

Uma impressão digital do espírito.

A percepção de um único ato, de uma fração de segundo, que se reinventa a cada novo olhar.

A poesia se desdobra nos lábios, ouvidos e pele de cada um.

"Uma vez escrita, não é mais sua."

Um verso é gatilho para uns e o inverso para outros, indiferente.

De tantas particularidades, da volatilidade, de tantos pequenos instantes, como querer que um ano tenha o mesmo significado para todos?

Ainda assim, em 31 de dezembro, todos se reúnem para "celebrar."

Celebrar o quê?

Na busca pela verdade universal, a filosofia vem tentando entender o que essa relativização guarda como essência comum, que logicamente tornar-se-á irrefutável aos que negam existir qualquer parâmetro objetivo. Assim, aqueles que teimam em desmentir o sentido da vida e das coisas, então, haverão de concordar, pela força da matemática, que a vida tem uma verdade absoluta.

De certo que a tradição revela estar repleta de vastos e inúmeros trabalhos e obras dedicadas a este ofício, que vão desde antigos a contemporâneos, resignados em achar o uno, o elo, o demiurgo, o motivo pelo qual somos.

Os sentidos então brincam nesse percurso, fantasiados de ninfas e sátiros no cotidiano, emaranhando o homem em suas armadilhas.

Mesmo com tudo isso, dia 31 lá estão. Alguns só apanharam o ano inteiro, mesmo aparentemente sem motivos, não se furtam de beber aquela cidra e comer a sementinha de romã, outros pulam 7 ondas, outros usam roupas vermelhas, outros choram, outros bebem até cair, outros comemoram as conquistas, alguns apenas fecham os olhos em silêncio e agradecem mentalmente estar vivos depois de um ano de cão.

Quantos motivos vertem-se em lágrimas no choro? Quantas razões se convertem na força de um abraço? Quantos sentimentos seriam contabilizados no aterro da praia de Iracema depois da meia noite?

Se um instante é tão variável, como é que, em nome de qualquer filosofia, vou achar uma verdade do universo sobre todas as coisas?

Longe de tentar captar uma resposta, ou dar a tão dileta tradição um desfecho relevante, mas como uma observação de quem às vezes conversa com a vida e ela responde, eu chuto. Que essa tal verdade universal seja o amor.

"Só pelo amor o homem se realiza plenamente."

É o amor pela vida que faz aquele que silencia ser grato. É o amor pela prosperidade que faz aquele fulano comer as romãs. É o amor por uma boa sorte que leva o sicrano a pular 7 ondinhas. É o amor pela paixão que fez o Francisco usar vermelho, é o amor pela sabedoria que faz o Jayme e o Paulo se desdobrarem em teses para então descobrir que elas pouco importam e que vivisseccionar vale muito mais, é o amor pela esperança que une mesmo os mais desafortunados para o que se consentiu ser o fim de um ciclo e o início de outro e torcer pelo melhor.

Um ano despedaçante que se encerra, dessa vez em silêncio.

Outro ainda anônimo se ensaia a frente.

Não há queima de fogos na beira-mar.

Mas de certo ela queima na memória de muitos que estarão em casa lembrando. Dos que se foram, dos que ficaram, dos que virão.

O amor que era junto, permanece, ainda em "pequenos pontos de luz ancorados."

Iniciou-se a pouco mais de 2 dias e cá estou eu divagando sobre o que aconteceu depois desse cruzado que a vida acertou em cheio na têmpora da humanidade.

Nocauteados, seguramos nas cordas para levantar, buscamos o rosto do juíz.

Último texto de um ano ruim, ou primeiro de um ano que sabe-se lá como será...prefiro pensar nele como um Blaise Pascal, que ganharei mais acreditando que seja bom, de sorte, que mesmo depois de um "C'est fini", há de vir um "D'abord."

Arrisco, portanto, dizer que a única convicção que tenho é aquela que sinto, a de que ainda amo.

Júlio César