domingo, 30 de abril de 2017

Daimon

Pensando nos textos anteriores, ia publicar uma poesia, mas desisti. Fui tocado por algumas ideias, fui tocado pelo próprio corpo que se expressou em textos de Paulo e Júlio. Se somos mônadas, nossas janelas estão escancaradas. Saltou-me um júbilo expressivo. De repente eu estava fértil, parindo, brotando. Coisas escapuliam, palavras, imagens, ideias, memórias... Um sentimento. De repente soou meu daimon: “na imanência não há um fora”. Se pensarmos, a ideia, de fato, brota de dentro. Para onde? Para dentro, para adentrarmos no vivo. E o vivo quase nunca aparece em vida, quando aparece somos finalmente tocados, instigados ao “mais”. A vida ímpar pulsa e sai do banal. Mas não sai como uma ilusão da linguagem que picota, transcende, encaixota o espírito num fora qualquer que comprime nosso corpo e pára nossa ideia dia após dia, pensando em mundos possíveis, negando o único que vive. Ilusão. Baixo. Trivial. O Não. O que me ocorreu foi o contrário. O Sim. O próprio corpo pare porque acompanha a mente em uma ideia e transfere para um corpo que é texto nesse momento. Através de outros partos também em texto. O texto vivo é uma ideia que do próprio texto escapa, mas ao próprio texto volta. Faz ideia e é ideia enquanto corpo num movimento único. Saída e entrada sem rumo, em si, juntos, leve. A imanência é chapada e altamente fértil. É a conexão de tudo, cheia de buracos, forças que desconhecemos. Puxa a filosofia para dentro. Desencaixa o dentro para fora na medida em que é expressão. Um texto escrito ou dito é a palavra que força e é forçada por ideias. Só há fora porque sai de um externo vazio triste e adentra nas forças que se comprimem para dizer e criar potencialmente. Exprimir e ter uma ideia é expandir possibilidades de novas ideias. Jamais excludente, o que brota é multíplice, para parirmos de novo. Algo que se abre cada vez que diz sim à vida. E foi esse próprio texto que fez-se como um gozo de um momento vivo!

Por Jayme Mathias Netto
Outrora.net
jaymemathiasnetto.blogspot.com

domingo, 23 de abril de 2017

O Parto

"É próprio da literatura filosófica o ter de confrontar-se a cada passo com a questão da representação"
(Walter Benjamin, Origem do drama barroco alemão)

"No início era o Caos..." (Hesíodo, Cosmogonia)

Primeiro a explosão... depois, potência...
Ou seria uma implosão, pois não podemos afirmar um fora? A vida engendra implosões dentro dos fragmentos do existir. A implosão dos fragmentos da matéria geram ideias que são paridas pelo estouro. O parto da ideia nunca é um aborto, um vômito, um alastrar-se. Antes disso ele é uma absorção, uma inalação, uma assimilação. Agora ela (a ideia) está lá. Um organismo vivo, agindo, intervindo, interferindo. O agir da ideia não é explosão, é representação, é potência do pensar. O útero da ideia é o ser humano, que nunca é uma morada já que este útero sofre de histeria, gerando o aborto da ideia. A representação é uma histeria.

Por Paulo Victor de Albuquerque Silva
vivisseccao.blogspot.com

domingo, 16 de abril de 2017

Telófase

Vagueio. Percorro espaços amorfos, mofados da sala que se desenha morta. Finjo um interesse em algo que realmente não me importa, mas é breve. Me perco no tempo que se alonga estendendo seu "tic-tac" como tentáculos, oráculos de um futuro encriptado. Genética, probabilidade. Que habilidade o tempo tem de guardar o que ainda não foi? Escapo, mas não demora estou de volta, com a apatia de olhar a hora e o tempo que chora em não passar. Segundos  estagnados e um cérebro cansado de absorver. Meus olhos percorrem uma sequência de rostos dispersos, que tais como os meus buscam versos em um ou outro universo qualquer. Encontro os dela, rapidamente se cruzam tal como os pólos opostos de um ímã, inconveniente, proveniente de um inconsequente que a todos grita que o passado morreu. E o assunto, presumo saber do que se trata, besteira! Uma piada que se solta do tédio, do sério. Espero, mas o momento não passa, a paciência escassa lixiviada pelos "porquês" que ninguém quer responder. Realizo. Poesia bruta que não tem verso nem prosa, fruto do maldito momento, que podia ser como o vento e levar a melancolia até o próximo assunto.

Por: Júlio César Barbosa Dantas
vivisseccao.blogspot.com

domingo, 9 de abril de 2017

Diga antes

Chego de volta em Paris. Máquinas e guichês para comprar o ticket que me levará para casa. Prefiro comprar no guichê onde tem um humano.

- Um ticket, por favor.

A moça do guichê prepara o troco.

- Não, desculpe, acho melhor o cupom de dez tickets porque é menos caro.

- Ah senhor, você devia ter me dito antes.

Fico com cara de babaca, mas ela me dá os dez tickets mais um que eu já havia comprado.

Chego em casa cansado. Nada para comer. Vou à Padaria na minha rua.

- Dois baguetes, por favor.

A moça põe os baguetes no saco. Ao mesmo tempo ela me passa o valor.

- Você poderia cortá-los ao meio? – Estava frio e queria que eles coubessem no saco, para que não chegasse em casa com os pães congelando.

- Ah senhor, você devia ter dito antes.

Fico com cara de babaca, mas ela me dá os pães cortados e dispostos no saco.

Dia seguinte, vou ao 16 arrondissement. É uma tradutora que havia marcado para fazer a tradução da minha certidão de nascimento. Entro em seu escritório. Ela verifica minha certidão, aceita o serviço e pede para que eu aguarde sete dias. Fecha um envelope com minha certidão dentro e pede que eu pague metade do valor. Dei-lhe.

- Ótimo, tenha um bom dia.

- Ah uma coisa, lembrei. Eu sou casado e não consta na certidão.

- Ah senhor, você devia ter dito antes. Tem que ligar ao cartório brasileiro.

- Fico com cara de babaca, mas ela cede o telefone para ligar para o Brasil. – Achei seu ato cordial e digno de respeito.

Ligo para o Cartório. Explico a situação. A moça do cartório:

- Ah senhor você devia ter ligado antes.

Tem que falar com a notária.

Fico com cara de babaca, mas ela me avisa para retornar em 30 minutos. Espero com cara de babaca na sala de espera da tradutora. Trinta minutos depois, ligo. Consigo falar com a notária. Explico a situação. Ela, em contrapartida explica que o cartório de casamento e nascimento não são os mesmos:

- Ah senhor, você devia ter visto com o cartório de casamento antes.

Ligo para o cartório de casamento.

Explico a situação. A secretária lamenta:

- Ah senhor você devia ter visto isso antes. O outro cartório é muito lento.

Fico com ouvido de babaca sem saber o que fazer. Ligo novamente ao cartório de nascimento. A secretária diz algo sincero sobre as datas que constam no registro:

- Ah senhor, você devia ter nascido antes.

Por Jayme Mathias
jaymemathiasnetto.blogspot.com

sábado, 8 de abril de 2017

Certa vez, eu, Julio Cesar e Paulo Victor nos reunimos e começamos a pensar em coisas de signo. Desvendamos que haveria em Júlio certa autenticidade em suas habilidades artísticas de contar estórias e narrar fatos, notícias e situações. Paulo, soubemos nós, tinha certa influência obscura e manipuladora ao desabrochar suas ideias. Já eu tinha muito perigo de me perder nos desfiladeiros ficcionais que a arte poderia me proporcionar... Foi assim que desenvolvemos a ideia de fazer esse blog, com a expressão singular desses três filósofos (talvez esse seja o título mais social que podemos atribuir a nós mesmos).