domingo, 30 de junho de 2019

Des-Cuidado!

Perdi meus olhos só porque me impaciento ao ler?
Perdi minha cabeça só porque não penso?
Gozamos de direitos e autoridades
Vendemos o intelecto e a cultura como salvação.
Vendemos todo o espírito para incluir, não sobra nada.
Não há espaço vazio.
O resquício, o resto, o desperdício é reciclado: descarte!
Trapos, trapos e farrapos. Estamira diz: “o que há no lixão são restos e descuidos”
Está tudo preenchido de sentido nunca de fato sentido,
Sempre des-Cuidado! porque o descuido se tornou bonito.
O homem aos poucos foi criando maneiras de fazer múltiplas coisas ao mesmo tempo. Num
mesmo espaço, várias opções de preenchimento. Os tablets, a internet, os carros, tudo é
Smart. Todos nós somos Smart porque temos preenchimento, vários vazios ao mesmo tempo.
O I da Apple, Icloud, Ipad, Iphone. O I (“ai”) de inteligência. Somos função de uma inteligência
artificial (A.I). Até a inteligência, o nosso monolito kubrickiano, é artificial, ficou banal.
Inteligência para funcionar muito bem, nunca deixa de funcionar, nunca pára! Que inteligência
é essa que nunca pára? É inútil como uma memória que nunca esquece! Serve de nada! Aptos,
ágeis, hábeis, móveis. Simplesmente não acessamos mais outro tipo de inteligência e andamos
por aí clamando pelos Et’s. Cadê o Eu que pensa caro Descartes?

Jayme Mathias Netto

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Julho do leitor

Como todo ano, estamos fazendo a chamada de textos dos leitores do nosso blog Vivissecção.

A ideia é que no mês de julho, aos domingos, postaremos um novo texto dos nossos leitores.



Como alguns leitores se interessaram pela nossa escrita, pelo conteúdo do blog e querem também espaço para suas ideias e sentimentos, a gente decidiu abrir esse espaço de produção de pensamentos dos leitores. Uma​ forma de interagir com novas ideias e questionamentos.

O conteúdo dos textos são experiências singulares, poéticas e filosóficas, são vivências de recortes de intensidade que nos trazem de volta à vida, que nos fazem sentir de outra forma e também questionamentos viscerais.

Caso você queira postar seu texto, envie para : jaymemathias@gmail.com ou, na aba direita do nosso blog, está, a partir de hoje, disponível a opção de nos enviar uma mensagem com seu texto. Envie seu texto com seu nome(nome do pseudônimo caso queira), e-mail para contato e suas redes sociais (Instagram, Facebook etc.)

Enviar textos até 30 de junho. Posteriormente abriremos novas chamadas.

Jayme Mathias
Júlio César Dantas
Paulo Victor de Albuquerque


domingo, 23 de junho de 2019

O nômade.

As paredes não cabiam mais no seu mundo.
Estavam ali para prender, trancafiar o passarinho do sertão.
Nem mesmo usava suas asas, galopava para fora de si.
Cantava na aurora sua despedida.
Partiu em disparada. Coração dispara.
Distante chora o esquecimento. O vento lhe sopra alento.
Em outras terras busca novo ninho. Choca os ovos da experiência.
Víveres em terras desconhecidas, seu alimento é fruto, o chão é referência.
Distante de casa sua bússola aponta o sul. No norte fuga.
Atrás estão migalhas de pão. Formam trilha pontilhada a espera do grafite.
Distante de casa sua bússola aponta o sul. No norte fuga.
Víveres em terras desconhecidas, seu alimento é fruto, o chão é referência.
Em outras terras busca novo ninho. Choca os ovos da experiência.
Distante chora o esquecimento. O vento lhe sopra alento.
Partiu em disparada. Coração dispara.
Cantava na aurora sua despedida.
Nem mesmo usava suas asas, galopava para fora de si.
Estavam ali para prender, trancafiar o passarinho do sertão.
As paredes não cabiam mais em sua imensidão.

Paulo Victor de Albuquerque Silva.

domingo, 16 de junho de 2019

Quisera eu

Quisera eu,
Zé bedêu, ter nascido branco bonito e nobre, ao invés de preto, pobre e plebeu.
Quisera eu,
que tão cedo se apercebeu que a serendipitia, vulgo sorte, não aparece nem diante da morte, se não tens um tantinho de terra pra chamar de seu.
Quisera eu,
que o que sonhei ainda ontem, batesse com a realidade que Deus me deu, a viagem que me presenteou Morfeu é bem mais suave ao espírito.
Ainda assim, é desperto que levo a maior parte do tempo.
Quisera eu,
lembrar que somos o que esquecemos,
pois aquilo do qual lembramos,
se contado em sequência, rende muito menos que uma prosa, uma palestra, talvez.
Quisera eu,
Não querer mais e como os animais, fazer o que me der na telha.
Quisera eu,
que lobo e ovelha falassem
E dissesse pra esse bando de besta que essas conversas de bem e de mal é coisa de homem e que tudo é bem mais simples sem os nomes.
Quisera eu,
Zé bedêu, saber escrever poesia que não fosse só mais uma heresia  que sucedeu a oportunidade de não escrever nada.

Júlio César

domingo, 9 de junho de 2019

Sertão.


Doutô, sabe de pôqu’em pouco a idea vem vindo.
- Quem homi?
- A idea doutô. Quer ver veja, num quer ver num veja: idea é como broto, semente, num sabe?
Ela é prantada cum cuidado danado e num é nos are do deserto, nem nos cumes do céu, é bem aqui na nossa frente, em preno sertão. Do sertão, doutô, brota milagre. Idé milagre, vê.
Elé regada to’dia, mas, nem s’ingane, idea sustenta prosa que num morre. Tá sempre cumeçando. Os redemoim, os aparei e esse negócio que já aprendi foi tud’explosão né negódi’Dêu-não. A idea explodiu foi na mem’hora doutô. Até as rocha que nós pisa. Chão aqui oh: idea. Bast’u chão que tem vida! Mode muvimentá: tem idea, e no vazio tumbém pr’onde é possível mudar. Há tanto vazi entre os corpo do céu quant’ideia. O buraco vazi é cheio d’idea, uma parideira. Parteira, nunca, aquele Sócrates tav’era doido homi ! Modo que tem o chêi tumbém, o chêi doutô. A idea é parideira, libera quaisquer vôo num sabe, parind’i cambaleando comus redemoin chêide fogo. Bast’ir atrás disso qu’o sinhô aché rápido, mas acha, tão rápido quantu coice d’uma idea. Feito cum a matéria prima: mode a inteligência, num é intelecto ou entendimento como tu diz não doutô é d’inteligênça merma, aquela que tem em quem come cabeça de peixe, quem usufruta d’erva sabe comé? Ou mem’mocotó, cabra bom, chêide prosa. Issé idea. A inteligênça tá bem aqui no mei de tod’mundo, nós basta cascavilhá.

Jayme Mathias Netto.

domingo, 2 de junho de 2019

Amon-Rá

Dirigia o carro rumo ao possível. Nele conversava sobre aquilo que fazemos quando sonhamos, o plano do por vir. A luz do sol que brilhava nos olhos dela era testemunha de nossos projetos. Nossa conversa perseguia aquele sol do fim de tarde que teimava em nos iluminar, queria nos indicar o caminho. Continuamos a persegui-lo. Um mundo possível se abria distante, onde nem o horizonte demarcava seu fim. Entre nós e o futuro repousavam as rodas. O pneu e o asfalto acolhiam as voltas do eterno retorno que nos sustenta sobre o mar negro de concreto. Mergulho na superfície tempestiva do oceano das grandes cidades. O sonho corre na mesma velocidade que o fluxo do rio preto.
Antes de adentrarmos na próxima vereda, fomos interrompidos por outro sol, agora vermelho. Um novo sol interrompe o sonho, qualquer sonho possível, um sol do real, do deserto do real. Cruel, cru, avassalador. Ele permanece no céu da metrópole somente por alguns segundos, depois dá lugar a outro sol, verde. Nesse ínterim, três crianças se espalham entre os carros. Como sacerdotisas do deus sol erguem os braços num louvor à miséria, um agradecimento tanto as oferendas dos que têm quanto aos segundos de visibilidade ofertados pelo divino.
Oferecemos o que não nos falta à primeira pequena, ela agradece. Sem perder tempo, já que sagrado, a segunda se aproxima. Não tenho mais o que não nos falta. Sinto a grande vergonha, aquela que sempre nos assola quando encontramos com o sagrado, a vergonha de ser humano. Peço desculpas. Tento me redimir, pergunto à menina de cabelo castanho banhado de sol se ela está estudando. Tão pequena, apoiada na porta do carro, ela me diz que não. Procuro na memória, com os segundos que me restam, uma fala arrebatadora que a convença a sair daquele culto, mas logo a pequenina se afasta de minhas profanidades. Sua casta não permite o sonho. O olho vermelho nos vigiava a todo instante.
Voltamos ao fluxo. Não vi mais o horizonte, somente o concreto. O rádio não permitiu que o silêncio fosse soberano. O assoalho nos impede pisar diretamente no solo preto. Alguns dirão que os grandes responsáveis desse culto são os genitores, os mesmos esquecem que nesses adultos ainda há o resquício de sua infância. São os produtores de castas, os clérigos meritocratas. Enquanto isso, tudo o que aquelas sacerdotisas desejam é que o deus sol lhes conceda mais alguns segundos para arrecadarem novas oferendas.

Paulo Victor de Albuquerque Silva