domingo, 31 de outubro de 2021

Vagueio

Quando vagueio assim sem rumo, eu acabo por forjar uma meta. Faço isso para justificar para mim aquilo que os outros devem pensar que sou. Com isso, me protejo dos carros que passam, das pessoas que me conhecem e vem me cumprimentar, dos desconhecidos e também dos que gostam de conversar. Sei que aquela meta há, mas a escondo. Porque eu quero apenas os caminhos. Dentre os caminhos aquele que eu mais gosto é o que aparece na minha frente. Aquele que vagueia como eu. Porque o caminho, a rua, a via, a alameda, a travessa não tem rumo. Por elas todos passam, e com isso ela leva à tudo. Assim sou eu e assim meus pensamentos aqui dentro vivem.

Jayme Mathias Netto







domingo, 24 de outubro de 2021

Arte morta.

  Toda obra de arte depende da técnica, instrumentos necessários para o aperfeiçoamento do trabalho artístico, sejam eles objetos materiais ou mesmo a competência desprendida pelo artista. Ao laborar, o artista tanto pode especializar-se em uma técnica ou estilo específico quanto pode criar algo novo. A obra clama por técnica, criatividade, autonomia e ociosidade.

Durante o processo criativo o artista expressa sua intenção por meio de sua técnica, ressignificando objetos no mundo vigente. A arte ressignifica o mundo a cada reprodução. A ressignificação tem um duplo sentido: 1) por um lado reforça o significado simbólico-material do dado em um retorno do sempre igual; re-significa, re-produz. 2) por outro, re-significar seria a doação de um novo sentido, re-inserção do objeto no mundo numa implosão de percepções outras. Ao encontrar-se inserido no mundo o artista está fadado tanto a sua reprodução bem como a sua reelaboração. Em uma realidade social com um público que sempre exige novidades - onde requisitam uma arte de entretenimento, clamam por uma obra narcotizada que nos sobrepuja do peso atmosférico estrutural das grandes metrópoles modernas e suas mercadorias - delimita-se o tom com que deve produzir o artista. Entretenimento, arte de reprodução, intensivo afeto narcotizado, obras enlatadas e expostas em prateleiras industriais. Se o gênio artístico não quiser sucumbir unicamente na ressignificação reprodutiva ele deve fugir do público moderno assim como Zaratustra fugiu da multidão. Ele tem que continuar fazendo música como afirma Rogério Skylab em seu quinto álbum. Tem que parar de tocar “Smells like teen spirit” ou “Ana Júlia”. Uma arte enlatada está tão morta quanto o assassinato de deus pelos modernos humanos de massa. E para os artistas que ainda estão vivos: queimem suas obras que porventura foram enterradas em algum jazigo vertical de um supermercado cultural.

Paulo Victor de Albuquerque Silva.


domingo, 17 de outubro de 2021

Parando pra pensar

Parando pra pensar, percebi que pouco tenho parado pra pensar.

Pensar dá trabalho
Não tem atalho na construção do nexo
É complexo construir o pensamento.
Senso crítico exige tempo e muitas chicotadas da vida nas costas.
Dizia Fiódor: "A consciência muito perspicaz é uma doença...Autêntica e completa."
Melhor mesmo é só reproduzir.
Dizer o que alguém disse um dia.
Parafrasear. 
Pra quê melhor?
Livra do julgo da autoria.
Alforriar o Copyright.
Se a teoria vem sempre antes e tá sempre a frente cronologicamente da prática,
deixa alguém pensar que nós pratica!
Pensar é "cringe", "old School".
Massa mesmo é ir com a "trend".
Sentir a "vibe" do já antes experimentado. 
Porque aí fica tudo "safe"...
Dentro da zona de conforto.
Parando pra pensar
Pensar pra quê?
Voltar aqui pra os meus "stories" que é melhor.
Meu Rosário tem pedra de maçã mordida.
Rezo ele todo dia.
Fiel a minha fé.
Um dia terei "views".
E farei de mim mesmo "news" de páginas de fofoca.
Nunca diferente, sempre igual.
Original. Made in Taiwan.
Parando pra pensar...
Desisti.

Vou voltar pro celular.

Júlio César


domingo, 10 de outubro de 2021

Eu também vou reclamar


Em vez de nada, o que tenho hoje em meus pensamentos são todos vocês, sabotadores de uma visão de mundo medíocre.

Renunciadores da vida como dádiva.

Todos vocês com esses sentimentos mesquinhos de caras e bundas que sentam e esperam, apenas sentam e esperam e nada mais.

Outra coisa não esperam da vida que levam a não ser um bom lugar para sentar e continuar esperando!

Todos vocês nessas poltronas chatas, bundas quadradas, que atrasam a vida para a sua mais exuberante superação.

Seios de onde mamam carimbos, protocolos, extratos, retiradas, cheques, vida amarrotada, papéis com tintas que não dizem nada.

Incapazes de se superarem, incapazes de serem outra coisa.

Dotados de ódio que diz mais pela raiva de ameaçar essas vidas que vocês levam.

Digo mais de raiva que de amor, pois iguais a vocês não quero ser.

Só vejo o gosto da cédula de dinheiro, nova, esbranquiçada como quem acabou de sair do útero bancário, máquinas de fazer dinheiro.

De vocês máquinas!

De assassinos do que vivo como momento ímpar!

De vocês é essa linguagem mal falada, facilitada!

Hoje querem tudo facilitado, mas nada fácil!

Que tédio uma vida que se mostra dessa forma! 

Que forma é essa que se mostra, que vocês mesmos não enxergam nem se perguntam se existe.

Que forma é essa de viver impossível para mim!

Ou até quem dera eu melhor encaixado, vivo e cotidiano sem vida nenhuma, mas pelo contrário sou carcomido por dentro, questionando o inquestionado, o valer a pena de cada segundo, cada situação, cada decisão.

E vocês sorriem como se fosse óbvio aquilo pelo qual sinto desespero e não tenho certeza, mas nem vocês tem a porra da certeza, aliás a certeza que vocês tem não é certa, e querem dinheiro, sucesso, uma boa vida, uma boa família, o bom cidadão, o bom homem!

Vocês fingem uma vida que é todo tempo ameaçada como se fosse felicidade. 

Covardes! Vocês são covardes mais uma vez. De relance, covardes e é tudo!

Ou quase nada!

Porque sentem medo de olhar para dentro e contemplar o vazio que são.

Porque não pulsam de vocês nada que seja vivo.

Pois o que vive e pulsa dentro de vocês são tolos assustados e assustadores de pessoas que não são vãs.

São vocês insesticidas de pessoas vivas de verdade!

Um atraso, espírito do atraso do mundo enquanto vida, da merda de vida que vocês julgam como real, mas pelo contrário preferem as lembranças de silhueta do dito desafio que a vida cumpre diariamente como se fosse coisa que se faça honra e conquistas inúteis, acalgoetes que não me deixam nunca em paz! Hordas de demônios e penduricalhos na parede com diplomas na parede fria nos salões coloniais!

Mas vocês ameaçadores não fazem só com vocês, vociferam ganham uníssono e sacaneiam com quem ousa ser livre. 

Vocês sacaneiam com quem ousa ser livre, porra! Vociferam a não-vida encaixotando o ninho da dádiva da vida humana transformam em dívida. Vão para lá com suas culpas, castigos e pragas, vão para lá vermes que adoecem, vão vão!

Vocês obram o preço mais barato dessa vida que sufocam!


Assinado a porra do Jayme Mathias Netto!

domingo, 3 de outubro de 2021

Uma xícara de café.

  O vício no café revela camadas do meu existir, foi ele que expôs minha labirintite e as vertigens da vida, me desvelou a necessidade do doce. Me inseriu em uma nova rotina em que sempre reponho os grãos que demarcam os caminhos do meu labirinto. Eu sempre preparo uma garrafa de um litro, a de quinhentos mililitros era pequena demais para mim e minha esposa. Ela fica em cima do balcão, entre a cozinha e a sala, uma garrafa preta, da cor do café. Me acompanha o dia inteiro, entre aulas, estudos, entretenimento. Quando estou merendando tomo café com leite, quando quero redobrar a atenção tomo puro. Na tentativa de diminuir o açúcar passei ao adoçante - um em pó -, foi o que me recomendaram. O café dita o ritmo do meu dia, na falta, tenho enxaqueca.

Hoje de manhã estava em casa e me encaminhei para a segunda xícara de café. Tinha uma garrafa quase inteira para esvaziar no decorrer do dia. Segui o mesmo ritual. Peguei a xícara, pus ao lado da garrafa, de posse da segunda menor colher que possuo, raspei um pedacinho do adoçante e coloquei no fundo do recipiente. Querendo satisfazer um desejo obscuro, completei com duas colheres de leite em pó o preparo. Então fui interrompido. Uma formiga acompanhou a doçura do leite em pó até o fundo da minha xícara. Talvez eu tenha interrompido o ritual labiríntico em torno do doce realizado pela formiga. Eu não queria nem matar aquele ser ou mesmo comê-lo, não fazia parte da minha cerimônia. Encostei a mini colher perto dela, ela subiu. Perdida correu sobre a colher, alcançou minha mão e, antes de chegar ao meu pulso, dei um forte sopro levando-a ao chão. Percebi que ela sobreviveu e continuou seu caminho, livre, à procura dos seus velhos desejos. Eu também fiz o mesmo, voltei ao meu desejo desgastado pelo acaso, mas agora um pouco mais feliz por vivenciar a liberdade da pequenina, que percorria seu mundo, sem sonhos, sem finalidade, tal qual quem prepara e bebe seu café com leite em um novo dia de migalhas cruzadas. Depois da conexão de todos os ingredientes com o líquido escuro, depois de ver a via láctea em espiral se formar dentro da xícara, pensei que talvez eu também poderia ser livre, sem sonhos e sem finalidade. Sai do balcão mais esperançoso com a vida e seus mistérios, talvez lá no fim, na alcova de nossos desejos ocultos, exista uma conexão entre todos os seres e as coisas. Mas foi na curva, quase na sala, no limiar do tempo de uma vida, que pisei, sem perceber, na formiga.

Paulo Victor de Albuquerque Silva.