domingo, 30 de agosto de 2020

Releituras (a)gosto: Manuscrito

 Logo cedo Paulo encontrava-se posto na poltrona trabalhando com sua máquina de escrever o mundo. Ela lhe garantia mobilidade, agilidade, volume. A máquina de escrever. Descrevia o dia, a rua, da janela, com café. Às vezes falava mais do que devia, noutras devia. O fluxo do mundo corria sobre a máquina, na pior das hipóteses a máquina corria sobre o mundo. Afinal, o que seria do mundo sem a máquina? O que seria de Paulo?
 Paulo tinha uma vida simples. Casado, mãe de dois filhos lindos que mais pareciam dois pés de cajú pequenos no quintal de casa. O cuidado com os dois era tamanho que sua unipresença não garantia a segurança das crias na distância. Comprou um aparelho que mostrava em tempo real a exata posição espacial dos meninos. Seus filhos desde bebês conviviam muito bem com as máquinas. Dentro de seus berços existiam aparelhos que captavam seus berros quando não encontravam os seios de sua mãe. Paulo os ouvia de longe, respondia com o peito.
 Sua esposa era ausente. Corria ferozmente pela cidade, mais do que seus passos podiam andar. Ócios do ofício. Toma o carro, que passa à ônibus, que pega trem, que vira a moto, feito máquina. Quando queria notícias de Paulo mandava uma mensagem de voz que viajava pelo espaço até chegar no aparelho receptor de seu marido. Quando queria ver, câmera, quando queria sonhar, pílula. Era um companheiro onírico que retornava durante o sono da madrugada.
 A técnica, intermédio entre a vida de Paulo e o mundo. Percebia os acontecimentos do dia através de seus tentáculos mecânicos. Fazia uso de todos os recursos possíveis há vários anos, mas não esperava que no domingo um mau súbito iria interrompê-los. A máquina de escrever parou. Paulo não via as letras, tela preta. Não ouvia as crianças, a bolinha verde do aparelho apagada. Foi conferir. Estavam plantando bananeiras no quintal. Nesse momento, Paulo percebeu o quanto o mundo ficou pequeno. Cabia na ponta de seus dedos. Então lembrou de algo muito antigo, pueril, que estava guardado no quintal de sua infância. Enquanto ouvia as crianças percebeu seu ouvido. Ele estava lá. Num súbito momento de susto, como se seu corpo fosse arremessado sobre sua pele, deparou-se com carne e ossos. Paulo poderia fazer de seu corpo, máquina. Voltou à sua poltrona, puxou a gaveta, tirou folha e lápis, olho no dia, ouvido na rua, nariz na janela, mão na xícara, língua no café. Como prova de sua mão-máquina decidiu escrever esse texto de próprio punho.

Paulo Victor de Albuquerque Silva

sábado, 29 de agosto de 2020

domingo, 23 de agosto de 2020

Releituras (a)gosto: Reflexos

 Reflexos de uma poça d'água em meio ao asfalto, dizem muito sobre os dias de hoje.

Entre as brechas do portão, consigo ver na poça refletido, o céu. Cinza, nublado,que não choveu em ninguém.
Aqui e acolá um teimoso passante me lembra da caminhada matinal, exceto pelo uso da máscara, que deixa tudo com uma cara de velho oeste do século XXI.
Apocalipse inesperado oriundo do microscópico. Irônico é que algo invisível aos olhos cause estrago colossal.
A vida mais uma vez mostra ao homem a máxima socrática de que nada sabemos, sobre tamanhos e de quão somos bêbados e equilibristas.
A poesia se ensaia na melancolia, mas se perde nas paredes do exílio particular, falta vivência.
Por isso hoje escrevo sem rima.
Subo ao segundo andar e lá de cima tento lembrar de como era bom ser livre.
Sem cometer nenhum crime volto os olhares à poça, a realidade é como seu reflexo, limitada, turva, distorcida.
Entristeço, filosofo um pouco, mas nada que renda pouco mais de meia página.
Talvez a vantagem de toda essa ataraxia seja o escrever sobre ela quando tudo isso passar.
Vou voltar a ler e esquecer da poça d'água.

Júlio César 

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Wikibrasil.org : o samba brasileiro

Por que samba-enredo? Por que samba-canção? O que é samba de roda? Por quem o samba foi criado? Por que o samba tem esse nome? 

Venha conhecer um pouco mais...

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

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domingo, 16 de agosto de 2020

Releituras (a)gosto: O efeito do malfeito...

"É plágio, é plágio!"
Em frente à biblioteca nacional
Mas a língua aqui não é a mesma de Portugal
"É plágio, é plágio!"
A inspiração erra a língua portuguesa
Não obstante preserva a sua beleza
"É plágio, é plágio!"
O poeta que vive de erros brasileiros de Portugal
O poeta que faz poema sem erros é banal
"É plágio, é plágio!"
A língua que se preserva
é a língua que erra naqueles que não fazem reservas
"É plágio, é plágio!"
A contínua variação de coisas que se atestam mal
Diariamente não é plágio ou defeito, é real!

Por Jayme Mathias 

domingo, 9 de agosto de 2020

Releituras (a)gosto : Convergência


      Entrei na sala e vi Roberta sentada no sofá. Aproveitei o tempo curto que tínhamos juntas pra conversar um pouco.
- Olá bom dia.
Comecei.
- O tempo está muito quente hoje.
      Disse. Afastou-se um pouco pro lado do sofá como indicativo de um convite.
- Ah não, desculpa. Não percebi o horário. Acho que já não é mais bom dia.
- Dá pra perceber a chegada do verão. Tá um inferno. É tanto calor que minha cabeça lateja.
- Poxa. Por isso tenho que ficar de olho no relógio. Devia estar de saída para a consulta. O pior de tudo é que lá tem fila de espera. Nós pagamos esses planos de saúde mas no fim das contas essas clínicas são lotadas do mesmo jeito.
- Eu amo o verão sabe, mas esse ano está muito quente. Se ao menos tivesse chuva direto pra amenizar. E ainda tem os bichos de chuva. Lá em casa tenho que deixar as janelas fechadas, ou então ligo a luz de fora e desligo a da sala pra eles não entrarem. De vez em quando você leva um susto com algum bicho pousando no seu corpo.
- Certo dia eu estava com uma febre horrível e fui para a tal clínica. Meu atendimento demorou tanto que o remédio pra febre que eu tomei em casa já tinha acabado com meu sofrimento quando chegou minha vez no consultório. Por um momento o médico chegou a acreditar que eu só queria o atestado pra faltar o trabalho.
     Respondi a pergunta enquanto tirava o cigarro do bolso.
- Num é. Eu lá sei por onde esses bichos passaram antes de pousarem em mim. Aqui tem muito bicho de chuva à noite?
- Muita cara de pau daquele médico viu! Era feriado, pra quê eu iria querer um atestado? DOUTOR ADALBERTO. Não piso mais lá. Aquele velho ta merecendo é se aposentar.
      Percebi a cara de nojo de Roberta com o meu comentário enquanto tocava no seu corpo, como se uma coisa estrangeira encostasse nela.
- Sim, mas como você está?
- Sim, mas como você está?
      Rimos muito alto como nos velhos tempos de criança. “Que coincidência” pensamos.
- Bem, agora eu prefiro ir na clínica lá do outro lado da cidade mesmo.
- Aqui é tudo tão limpinho, não tem lagoa perto. Acho que não deve ter tanto bicho de chuva por aqui né.

Paulo Victor de Albuquerque Silva

domingo, 2 de agosto de 2020

Releituras (a)gosto: Anagrama adaptado

Permaneço fatalista!

Sendo assim, não tente me dizer e mostrar que

Aquilo vejo é a metade cheia do copo e há terra a vista

Porque no final do dia

Não há luz no fim do túnel, não há saída

E não é ilusão achar que tudo dá certo no final, que a vida não é uma ferida que

"A esperança é a última que morre!"

no final, lembrarei o quão fatalista eu sou, o quanto o sangue escorre

E nada do que me digam vai me fazer crer que

existe um lado bom em tudo

Não importam quais os meios,

O fim não é suficientemente bom para ser celebrado, que ele é mudo, defronte das soluções e problemas alheios

Porque diante dos fatos não há argumentos que me façam crer que

Se não tá tudo bem é porque não chegou no fim, você vê

Porque cada vez que olho o quadro geral penso

Será que sou tão pessimista assim ?

(Agora, leia de baixo para cima)

Ps:
O que define o significado das pinturas é a maneira a qual olhamos para elas.

(Texto adaptado de Abdullah Shoaib)

Por Júlio César