domingo, 26 de junho de 2022

Prometheia Parte 1- Prometheus bound

 

Imagem: Luiz Tiago Soares de Souza (L. T. S. S.)

Quem lhe dera a morte fosse sorte possível de encerrar a dor.

Quem lhe dera o corte só sangrasse sangue e não rancor.

Cerrar os olhos e não ver a cor que se desbota do tecido do tempo.

Quem lhe dera o alento do simples cessar do ser.

De não viver para sofrer todo dia, o corte e arranque do fígado

Pela águia em fria vendetta animalesca de Zeus.


Acontece que herdamos do barro o berro do pai das artes.

E o sofrer é só mais uma parte passada pelo filho de Jápeto

aos seus protótipos de barro.


Como quem brada num lamento:

"Ó santa mãe minha, ó firmeza que revolve a luz comum de todos, vedes os males que sofro."


Quem lhe dera a sorte de não subir aquele morro, de morrer tranquilo.

Porém, da semente dispersada do silo do saber,

algumas herdaram o poder de prever do titã acorrentado.


E nem só de barro são feitos,

São semi perfeitos, como retirados do solo com um trado,

Que carregam no peito a centelha do pulsar, em tudo.


Àqueles que morrem padecem por pulsar somente em uma pequena parte

restrita apenas a carne, que por hora se habita, mas logo se esvai.


Mas estes a quem se reserva arte pensante,

pertencente a poucos grãos na estante dos amaldiçoados,

se desvela no rompante do sensível 

O incrível fardo da imortalidade.


São pois o que compõe o cerne. Sólidos como o chão em que pisam.

Alicerce, palco onde dança, a posteriori, a razão específica e seus "frufrús" de senhor "sabe tudo".


Esses potes de barro jamais morrem, transbordam, se derramam e se fundem, no próprio chão em que pisam.

Unem-se a eternidade.

Não são pois tão somente o artista, mas também a própria obra de arte.


Permanecem como o baluarte em vigília na região da Cítia, que hoje também é conhecida como: toda e qualquer esquina.

Continuamente se descortina serem escravos e donos do Cáucaso.


Embora por fora, muitas vezes apareçam decreptos de eterna doação.

Permanecem intrépidos de pé na esteira do vulcão.

Peito aberto, bofes pra fora. 

Estraçalhados ao fim do dia, 

para no seguinte, tornar a se levantar.


Desafeto após desafeto,  sem tempo, sem hora, na forja do mendigo Hefesto.

Seu destino nefasto é também o manifesto mais nobre.


Enquanto a maioria flutua,

Eles vibram como o núcleo da terra.

Esfera nua de solidez maciça de cobre e aço de maior dureza.


Quem lhes dera portanto a destreza de cessar, que atiça a finitude  como virtude fugaz.

Infinito, no entanto é o exorto e à sua constituição voraz.

Pois que o derrame requer o constante movimento para fora do próprio corpo.

Expressão cortante como um refluxo esofágico.


E aqueles que sentem o trágico sentem o cerne e, tal como ele, são imortais. Embora sintam como tudo que morre, não o fazem.

Morrerem eles é como morrer o próprio chão.


Não morrem. Não nascem.

Não começam. Não terminam .


Nem doxa, nem Sofia.

Nem Cratos, nem Bia

São capazes de mantê-los presos, ou mesmo de libertá-los.


Crias da anarquia

Rebentos da paz


Como a prole de Jápeto, que apenas jaz.

Sentindo toda a tristeza.

Toda a alegria.

Tocando a sangria da eternidade.


Não são superiores, não estão acima nem abaixo.

Estão!

São!


Como seu pai.

Prometeu acorrentado.


Condenados por tempo indeterminado a usar as correntes da liberdade .


Júlio César