domingo, 24 de novembro de 2019

Fracasso.


Não me lembro quantas vezes eu tentei.
A vida atenta, nos joga migalhas.
Aí você junta os pedaços. 
O problema é quando a estrada está cheia deles.

Seguindo os rastros percebi uma coisa, comia os pedaços do meu coração.
Errante, procurei as armadilhas na estrada.
Nunca as encontrei.
Conclui que aquelas migalhas tinham sido arremessadas por mim, só não sei quando.

Acho que tudo foi um engano.
Estava no labirinto de retalhos meu, e esqueci que haviam saídas.
Claro, comi as migalhas.

O que pode ser feito é uma nova refeição, até encontrarmos outros pedaços.
Autofagia do verbo, que na bíblia se fez carne.
Não há esperança no prato, antes o gosto do que a digestão.

O bucho vazio, é a única certeza que nós temos.
Eu só queria falar sem tá de boca cheia.
E no bucho, NADA!

Sempre achei todos os restos da vida, nunca o que importa.
De dia acreditei que poderia ser diferente, mas somente recebi o que tenho agora.
Nu, à beira do acontecimento, esperei algo grandioso.
De grande só meu eco.

Não sei até quando continuar tentando.
Meu analista disse que devo estar de bucho cheio.
Meu Pai empurra garapa de suco pra descer mais rápido.
Meu filho pergunta por que demora tanto.
E eu? Erro.

Paulo Victor de Albuquerque Silva.

domingo, 17 de novembro de 2019

Homens comuns não olham para o céu



Homens comuns não olham para o céu.
A não ser quando se reflete em uma poça d'água que, por acaso, cruza seu caminho inoportunamente.
Ele tem na mente outras prioridades.
Homens comuns, não no sentido de ordinários ou medíocres. Esse texto não é sobre ser superior, mas sobre o homem comum, de comunidade.
Imersos em gothans particulares, pendurados em celulares, tablets e smartwatchs.
Homens comuns não olham para o céu, pois tem no rosto um véu que deixa espaço apenas ao "necessário". O extraordinário está fora de questão. A preocupação está no salário e nos descontos do fim do mês.
Não é também, como se ele não quisesse olhar, mas pelo dinheiro que se torna tempo e que reflete a folha de pagamento de onde se tira o sustento dele e de mais três.
Ele deixa de olhar, pois como se fosse um jogo de pega varetas, está tão imerso naquilo que urge sua atenção, do que tem diante de si, que pouco importa contemplação das estrelas e a lua, o que é vital está nas ruas, é tirar a próxima vareta sem mexer nas outras cem.
E assim, distraído, atenta somente ao requerido, esquece a colorida mistura de azul celeste, laranja e negro, enquanto anda pelos becos apressado para fazer a próxima integração.
Ser homem comum é cada vez menos escolha, cada vez mais necessidade, a cidade é o ímã que magnétiza seu olhar.
Mais dia menos dia, a paisagem é uma só, muros de concreto, prédios e engarrafamentos. Reclamações e lamentos regem a maioria de seus murmúrios.
O homem comum não olha mais para o céu e passa a ser eterno réu do julgamento do sistema. "Por que não ganhou mais?" "Por que deixou de lucrar aqui?" "Anda no mundo da lua?" Antes fosse...seria bem mais doce o destino de quem anda nas nuvens.
O homem comum não olha para o céu e quem perde com isso é a vida, regida pela pressa do que "tem que ser feito" por um sujeito cada vez mais rejeito de si.
Eu mesmo tenho esquecido...não por escolha, mas por precisar estar dentro da bolha, no mundo onde o trabalho dignifica.
Roguo a mim mesmo e a quem mais possa se interessar, com esse texto, um lembrete, que não se encolha e deixe de olhar para o céu.

Júlio César 

domingo, 10 de novembro de 2019

O efeito do malfeito é o defeito perfeito sem ter feito acordo com o sujeito

"É plágio, é plágio!"
Em frente à biblioteca nacional
Mas a língua aqui não é a mesma de Portugal
"É plágio, é plágio!"
A inspiração erra a língua portuguesa
Não obstante preserva a sua beleza
"É plágio, é plágio!"
O poeta que vive de erros brasileiros de Portugal
O poeta que faz poema sem erros é banal
"É plágio, é plágio!"
A língua que se preserva
é a língua que erra naqueles que não fazem reservas
"É plágio, é plágio!"
A contínua variação de coisas que se atestam mal
Diariamente não é plágio ou defeito, é real!

Por Jayme Mathias 

domingo, 3 de novembro de 2019

Rogério, o laboratório do céu não tem estrelas.

Quando Rogério Skylab escreveu sua coletânea de sonetos “Debaixo das rodas de um automóvel”, ele sabia bem quem era o seu público. Não me refiro à análise daqueles que propõe uma percepção cômica de sua obra, pautada em uma loucura consciente, mas aos espectadores das grandes metrópoles pós-modernas, que consomem o mundo descartável enquanto transitam entre fluxos sensoriais com seus choques do inconsciente. O consumo descartável, que lê com os olhos, sem profundidade, na leitura dentro do ônibus, no intervalo da programação, do cronômetro enquanto o arroz seca. Curto. Rápido. Um corte. É a vida tanto do escritor quanto do consumidor de plástico contemporâneo. Skylab: poeta da superfície. Neurótico melancólico da metrópole. Serial Killer da produção.
Lembro-me quando começamos o processo de vivissecção do corpo social em nosso blog e compreendi um pouco mais como é estar debaixo das rodas. O fluxo nos transpassa. Na linha de produção a vertigem não escapa do texto, o papel (tela) é o leito do tombo. O dissecar nada tem de cirúrgico, não é um processo prolongado, não visa a cura. Ele é uma fábrica serial do corte. O corte não é para o abate, não consumimos a carne. Somos descartáveis, tanto quanto o saco preto que cobre o cadáver. O tempo infernal, que é o agora das grandes cidades, nos obriga, cada vez mais, a cortar apressadamente a carne. Não há tempo para todo o tempo do mundo.
Aqui estamos novamente, tu e eu, na mesma linha de produção. O que nos separa de Rogério Skylab é somente o modelo do automóvel, máquina desgovernada sem freio de mão. Enquanto tomamos um café, em mais um dia de labor, escrevo esse texto para justificar minha breve despedida.
Fim do intervalo, ao sair não esqueça de descartar.

Paulo Victor de Albuquerque Silva.