domingo, 25 de novembro de 2018

O Parto

"É próprio da literatura filosófica o ter de confrontar-se a cada passo com a questão da representação"
(Walter Benjamin, Origem do drama barroco alemão)

"No início era o Caos..." (Hesíodo, Cosmogonia)

Primeiro a explosão... depois, potência...
Ou seria uma implosão, pois não podemos afirmar um fora? A vida engendra implosões dentro dos fragmentos do existir. A implosão dos fragmentos da matéria geram ideias que são paridas pelo estouro. O parto da ideia nunca é um aborto, um vômito, um alastrar-se. Antes disso ele é uma absorção, uma inalação, uma assimilação. Agora ela (a ideia) está lá. Um organismo vivo, agindo, intervindo, interferindo. O agir da ideia não é explosão, é representação, é potência do pensar. O útero da ideia é o ser humano, que nunca é uma morada já que este útero sofre de histeria, gerando o aborto da ideia. A representação é uma histeria.

Por Paulo Victor de Albuquerque Silva
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domingo, 18 de novembro de 2018

Temporalidade do inferno

Temporalidade do inferno.
Tal definição, ouvi certa vez de um amigo, que a mente aflige ao corpo o maior castigo, quando da recusa de parar de pensar.
Da definição, não sabia, mas
a agonia de cansado, teimar em desligar, constantemente me deparo.
Inclusive, neste momento, transformo o desalento  em demasia, de contar carneiros, busco amparo em primeiras aparas, desatinos desse texto sem sono.
A mente é máquina que mente ao próprio corpo, quando diz para si mesmo que o músculo é que tem força.
O suborno do movimento faz parecer que por algum motivo estar ativo é se mexer.
Haha, delírio, de quem não sabe do martírio de ir ao Japão e voltar sem sair do lugar.
Paro, repito: "agora eu durmo!"
Pobre ignorante, animal noturno, o cérebro é senhor de si.
Sentenças taciturnas de textos misturam-se às confabulações que configuram-se quase reais, não fosse estarem presas apenas em uma mente quase lisérgica.
Disse que ia parar cinco minutos atrás. E aqui estou, dedilhando enquanto assimilo o recorrente sibilo de sequências de palavras que, senão de forma voluntária, fluem aleatórias como quem diz: "eu durmo é porra!"
Na umbra, tateio à toa até encontrar o celular. Quatro e cinquenta! Puta merda, agora é sério! Ou eu paro agora ou não durmo mais! Ameaço a mim mesmo, como se mandasse em alguma coisa na porra desse sistema nervoso central, queria que ele tivesse um rotor lateral, assim pelo menos o filha da puta do Djalma podia dar um jeito de desligar.
O relógio desperta. O som como um zunido infernal corta a linha de raciocínio. E  o sono, o qual eu tanto procurei?
Escafedeu-se!

Por Júlio César
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domingo, 11 de novembro de 2018

Título livre

O que seria essa estranha alegria? Difícil saber. Sei que ela é irrespirável na maior parte da vida. Abafada. Nunca prevemos uma criação ou o arroubo dum estremecer artístico. Por mais que traquejemos, não seremos quase nunca, nesse aspecto, donos de nossa vontade, talvez porque não deixamos nos levar suficientemente. Reagimos apenas. "Se bater, bateu", dizem alguns. Na velocidade do tempo das hiperatividades normais, é raro ver-se inerte, destampado e rachado por esses estados. Deixar-se ser poeta: deixar-se ser receptividade e afetividade do que é criado. Negar a criação. Negar a ação. O estado poético é uma fagulha da vida que realiza em nós. Impossível de prever quando seremos acolhidos. Os deuses brincam em desavisos com os poetas. E eu falo isso como quem diz que as plantas verdejam e se alegram com isso. Ou o brilho brilha e se deixa ser, se deixa alegrar. É qualquer coisa boba, não "ah meu Deus que difícil". Até um poeta alegre me disse uma vez: "é só respirar um pouco diferente e ser só vida, em vez de todo o resto".

Por Jayme Mathias Netto
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domingo, 4 de novembro de 2018

Vivissecção

Bisturi… a pele demarcada é retalhada pelas mãos do especialista. A derme se expõe, respirando o novo mundo da superfície. Elo cirúrgico na imanência perfurante entre o limiar escalpelado de uma lâmina. O corte da carne é meticuloso, isso se torna mais fácil devido a qualidade das fibras expostas. Toda delicadeza se faz necessária para que os tecidos não sofram sequelas, estamos lidando com um produto de extrema qualidade. Martelo… Estalar de ossos em profusão, território da dor encharcada de sangue nas arestas da carcaça abatida. Broca… Acessando as profundezas do corpo abrem-se as portas do submundo. Lá o Hades se revela em todos os seus planos, das aflições com seus prantos e lamentações à ilha da bem-aventurança. A broca é a moeda de troca entregue ao barqueiro. Pinça… A precisão está na remoção do invasor, guerra microrgânica permeada pelas forças do espírito humano.
Cada um dos textos são micro incisões, cirurgias pontuais carregadas de instrumentos hospitalares. Nosso tempo exige velocidade. Tempo do inferno em que nada escapa, faz da superfície da vida fenomênica um submundo exposto às bactérias da realidade. O território do poder é a carne, diria Foucault. Daí vivissecção, cortar a carne com a faca que sai da língua navalha de Belchior. O texto navega, seja nas ondas do rádio, nas páginas do irreal, nas folhas da imprensa. O que nos resta após o ferimento? Cicatrizes. Elas tatuam os mapas geográficos na pele humana. Rotas de fugas desterritorializantes, órgãos surrupiados em abduções alienígenas, construções de novos corpos inumanos. Deficiências!? Não, potências.
Seringa… As luvas já estão postas. O recipiente contém o anestésico que em breve percorrerá a artéria genealógica. Agulha… O encaixe é preciso, como se fossem feitos um para o outro. Está montada a arma do torpor. O ataque não demora, primeiro suga-se um pouco do sangue, depois injeta-se o narcótico. Pressão, pulso… A dormência se alastra.
Em que fase do procedimento ocorreu a anestesia geral? Tudo foi esquecido e somente o corpo clama à consciência recordações de suas rotas marginalizadas. O mapa da carne é o verdadeiro guardião da memória. Quem vos escreve isso é o cirurgião, não a navalha.
Paulo Victor de Albuquerque Silva
Vivisseccao.blogspot.com