segunda-feira, 29 de junho de 2020

extremo

Quantas vezes separados?
Eu provocarei o encontro comigo.
Treinar dia após dia uma nova percepção disso.
Uma passividade levada ao extremo.
Só alguns escritores valem realmente a pena nesse sentido.
Solidamente possível.
Embriagar-me pelo frescor da manhã, do vento, do pólen e dos pássaros.
Desviar de maus afetos como de balas. Campo de concentração de forças contrárias.

O tom e a luta de Artaud para o ritmo, eficaz e libertador.
Forças espermáticas.
Tudo faz sentido.
Ouço Aratud falar mais que escrever.
E com o ouvido se grava muito mais coisa que com os olhos.

-Bom dia.
-Bom dia. Tudo bem?
-Tudo bem. Moram aqui há quanto tempo? Vocês trabalham longe?

Conversas para quebrar o gelo.
Eu só sei lembrar.
O que tenho feito de mim?
Boa pergunta. Eu quero uma iantividade extrema.

Das inúmeras coisas que começo após o amanhecer tardio, dificilmente me foco em uma. Facilmente começo, mas nada termino.

"Riam como quiserem" grita Artaud, 
e isso é mais real que qualquer coisa.
Perdemos para a intrasigência.
E tudo tem que ser bem justificado para 
não cair nas amarras das confabulações e extremidades
da opinião toscamente elaborada.

Toscamente fardada nos moldes da classe influenciada pelas redes sociais.
Sempre, sempre estão a espreita de haver um combate interno. Uma merda!

Jayme Mathias 

sábado, 27 de junho de 2020

Julho do leitor

Como todo ano, estamos fazendo a chamada de textos dos leitores do nosso blog Vivissecção.
A ideia é que no mês de julho, aos domingos, postaremos textos dos nossos leitores.


Como alguns leitores se interessaram pela nossa escrita, pelo conteúdo do blog e querem também espaço para suas ideias e sentimentos, a gente decidiu abrir esse espaço de produção de pensamentos dos leitores. 

Uma​ forma de interagir com novas ideias e questionamentos.

O conteúdo dos textos são experiências singulares, poéticas e filosóficas, são vivências de recortes de intensidade que nos trazem de volta à vida, que nos fazem sentir de outra forma e também questionamentos viscerais.

Caso você queira postar seu texto, envie para : jaymemathias@gmail.com ou, na aba direita do nosso blog, está, a partir de hoje, disponível a opção de nos enviar uma mensagem com seu texto. 

Envie:

 seu texto com seu nome (nome do pseudônimo caso queira), 
 e-mail para contato
 e suas redes sociais (Instagram, Facebook etc.)

Enviar textos até 10 de julho 

Jayme Mathias
Júlio César Dantas
Paulo Victor de Albuquerque

domingo, 21 de junho de 2020

Lete

Você sabe quando está sonhando? Já teve um sonho tão longo que se perdia na duração de seus acontecimentos? Você nunca sabe quando começa, às vezes desperta no fim, noutras é consumido pela dúvida se realmente tudo não foi uma fantasia, se aquela lembrança era real. Conversando com os meninos do blog perguntei o que eles achavam do mundo onírico, quais suas impressões. O Júlio me falou sobre a relação do sonho com o inconsciente, como sua força se manifesta logo quando vamos dormir ou quando estamos perto de acordar. Falava ainda sobre as várias emoções intensas que temos quando sonhamos, o quanto criamos histórias fantasiosas e absurdas. Completou dizendo como ficamos vulneráveis ao julgamento crítico, aceitando o desenrolar dos episódios que se acumulam sem nenhum juízo analítico. O Jayme exemplificou as várias sensações bizarras que vivenciou no seu mundo onírico. Recordou como é difícil relembrar os detalhes dos seus delírios mentais. Apontou o fenômeno do sonho como materialização dos desejos inconscientes, toda obscuridade da libido humana elevada à superfície, o que fazia das fantasias uma transcrição sensível dos desejos, não uma tradução linguística através de imagens representativas.

    Terminei de ouvir os áudios. O celular estava com 20%. “Tenho que passar menos tempo no whatsapp”. Olhei pro lado. A Suely estava lá. Não percebi. Tive que fazer as compras. A barriga inquieta de fome. Tentei adivinhar o horário pelo ponteiro do sol. Confirmei no celular que estava errado uns trinta e poucos minutos. Peguei a chave do carro no quarto. A máscara no armário. Carteira no birô. Beijei-a na sala. Maçaneta. Carro. Volante. Portão. Depois de cinco esquinas desci no mercantil. O carro refletido na vidraçaria. Portal de imagens entre o interior e exterior do firmamento. Mistura de mundos.

A cabeça de uma cachorra na janela do carro.

Álcool nas mãos. Os olhos falam. O  que dirá o resto do corpo?

Uma criança corre entre as lacunas.

As pessoas mantêm distância. Espaço permutado. Dois corpos não ocupam o mesmo lugar.

Bolas de encher flutuando.

A cada prateleira o vir a ser da mesma sensação, “acho que já comprei isso, devia ter anotado”. No caixa, sacolas e débito. “Acho que já estive aqui”.

Cabeça da gata na janela.

Olhei pro lado. A Suely estava lá. Bilhete na mão. “Não esquece a lista das compras”.

Paulo Victor de Albuquerque Silva

domingo, 14 de junho de 2020

Monocromático


Mesmo o uníssono tem vários sons.
Daquela própria briga pela compreensão do "Uno", ou da "Díade" eterna, se especula que surgiu o outro, como aquilo ao qual se contrapõe, como uma necessidade, um complemento, ou um nêmesis.
Cristalizou-se na sociedade a individualidade, subjetividade em que tudo é relativo, tudo "visto de um ponto".
Motivo para o qual aquilo que não era EU de repente passasse a ser avesso a mim, ou ainda, tudo aquilo que almejo ser.
Desejo e aversão, sim e não. Aquilo a que digo sim é bom pra mim, aquilo que nego, ruim. Rotulamos assim, conceituando, em pequenas latas de visão limitada, tudo que nos é alheio. E classificamos de quais delas queremos proximidade, ou distância.
Bem, tenho a ligeira impressão de que a existência não obedece à ordem de nossa estante de latinhas. Talvez seja mais como um oceano cheio delas. Estamos a sua mercê. Encontraremos incontrolavelmente com elas, sejamos a elas abertos, ou avessos. Encontros.
Buscamos ser especiais e únicos, mas mesmo o uníssono tem vários sons, como entre preto e branco existem vários tons. Temos cada um também vários dons.
Buscamos independência, enquanto atestamos a constatação da falta que sentimos, ao mesmo tempo em que bradamos aos quatro cantos o quão nada nos faz falta. Autossuficiência é um conceito orgânico, mecânico, não social. Ninguém vive só. Ninguém vive em repouso. Viver é movimento.
Fato é que, talvez haja verdade no pêndulo de Schopenhauer, que resume a vida como constante oscilação entre angústia e tédio. Que a vida seja doença e remédio vá lá, mas só isso? Ela é muito mais. Doença e remédio, ambos munidos de amargor, antes da doença, no entanto, havia doçura da saúde e depois do remédio, a cura. A vida não é repouso. Nem quando estamos parados. É movimento entre sim e não, alívio e aflição. É muito mais que optar pela sede, ou pelo bucho cheio d'água. É também o primeiro gole, garganta seca sendo molhada pela água gelada.
A questão poética que afligia William talvez não fosse "ser ou não ser", mas tudo aquilo que está entre eles.
Nem mesmo o monocrático contém  uma só cor.
Tendo então esboçado essa tentativa filosófica parca, fico por aqui entre o silêncio e a tagarelice, na justa medida Aristotélica.
Talvez viver entre os extremos não seja ser medíocre, mas prudente.

Júlio César 

domingo, 7 de junho de 2020

toupeira

Meu belo trabalho de toupeira é cavar e armazenar minhocas e nozes presas nas minhas armadilhas diárias. Escavei ontem um texto, fiz-me de traça. Escavei tão profundo o mundo que vivo que vi deus. Tão pouco e tão raro são os orifícios de onde ele respira através de mim e sei da raridade e rarefeito que sou nesse ápice momento de ferocidade. E penso de forma como se faltasse oxigenar uma parte do cerebelo, caricata e ímpar. Não sou sapiens, sou toupeira viva da vida. Quando sinto o cheiro de verde capturo a alegria do dia, choveu. Eu anunciava a saída diferente para a superfície. Com a chuva as minhocas escorregadiças caeam na minha armadilha. Subterrâneas frágeis, dilaceradas, confusas. Não. Mamífero domínio do meu mundo. Mamífero feroz faz-tudo. Não há um elemento que não saibamos liquidar e gerenciar para nossa vida. A forma mamífera humanóide se repete em outras instâncias de inteligência viva. Só o fato de mamar é o ímpar domínio da vida. O calor do corpo de nossos pais. Penetrando na vida o calor diário dos ambientes dominatórios. Deparei-me que era mamífero pelo cheiro da verdade. A verdade é o verde transformado em verdidade. Para nós são as tetas do sulco quente. Dos poros de nossas fibras musculares, das contrações e das manias de esfregar-se. Bicho desejante de esquentar-se. A gente sua e sente o suor cheirado de nosso grupo vivo. No sexo contagiante da palma de mão ardente da espécie. As hienas riem lá de cima. As baleias bocejam migrando nos diversos oceanos. E eu sou uma toupeira fria. Pobre de quem é minhoca. Raiz viva é a minhoca. Eu sou terra. Mais terra porque o fluxo oxigenável da vida sou eu que transporta. E a minhoca morre para que eu dê à raiz mais vida e atenção. Mas a hienas vociferam que a vida na terra é melhor que debaixo. Minhoca é o fluxo cego, só anda em bando mas tristes e solitárias. Os morcegos, que conhecem o noturno pelos ares bailantes, vociferam que o modo de vida verdadeiro é o das aves. E eu só quero ser toupeira. Desconfio de quem ri e acha tudo maravilhoso, como desconfio de hienas. Também desconfio dos altares. Desconfio da superfície da vida e a hiena é o símbolo da superfície. Atraio para a profundidade o cheiro verde que eu mesmo quero. Na conexão íntima dos mares, o verde da superfície que as baleias vibram. Sinto e apalpo a profundidade da terra ao mar. Eu sou a essência penetrante na aparência. Quem fez a palma da minha mão fez a dos humanóides. Até o tatu tentou ter da terra domínio de hiena. Eu disse que não valia a pena. Mas o tatu é de terra outra e tenta ser eu com meu delírio de verde raiz 
que protejo de minhocas carnívoras, prezas. Tatu num cava, se contenta com cupins e formigas. Ele é o rei da superfície e eu da magia profunda. Protejo a esperança do momento futuro. No banquete embriagado de lucidez em que ouso ir à superfície, às manadas e bichos em bandos, humanos e pisadas vibrantes ficam em meu tato.

Jayme Mathias Netto