domingo, 21 de junho de 2020

Lete

Você sabe quando está sonhando? Já teve um sonho tão longo que se perdia na duração de seus acontecimentos? Você nunca sabe quando começa, às vezes desperta no fim, noutras é consumido pela dúvida se realmente tudo não foi uma fantasia, se aquela lembrança era real. Conversando com os meninos do blog perguntei o que eles achavam do mundo onírico, quais suas impressões. O Júlio me falou sobre a relação do sonho com o inconsciente, como sua força se manifesta logo quando vamos dormir ou quando estamos perto de acordar. Falava ainda sobre as várias emoções intensas que temos quando sonhamos, o quanto criamos histórias fantasiosas e absurdas. Completou dizendo como ficamos vulneráveis ao julgamento crítico, aceitando o desenrolar dos episódios que se acumulam sem nenhum juízo analítico. O Jayme exemplificou as várias sensações bizarras que vivenciou no seu mundo onírico. Recordou como é difícil relembrar os detalhes dos seus delírios mentais. Apontou o fenômeno do sonho como materialização dos desejos inconscientes, toda obscuridade da libido humana elevada à superfície, o que fazia das fantasias uma transcrição sensível dos desejos, não uma tradução linguística através de imagens representativas.

    Terminei de ouvir os áudios. O celular estava com 20%. “Tenho que passar menos tempo no whatsapp”. Olhei pro lado. A Suely estava lá. Não percebi. Tive que fazer as compras. A barriga inquieta de fome. Tentei adivinhar o horário pelo ponteiro do sol. Confirmei no celular que estava errado uns trinta e poucos minutos. Peguei a chave do carro no quarto. A máscara no armário. Carteira no birô. Beijei-a na sala. Maçaneta. Carro. Volante. Portão. Depois de cinco esquinas desci no mercantil. O carro refletido na vidraçaria. Portal de imagens entre o interior e exterior do firmamento. Mistura de mundos.

A cabeça de uma cachorra na janela do carro.

Álcool nas mãos. Os olhos falam. O  que dirá o resto do corpo?

Uma criança corre entre as lacunas.

As pessoas mantêm distância. Espaço permutado. Dois corpos não ocupam o mesmo lugar.

Bolas de encher flutuando.

A cada prateleira o vir a ser da mesma sensação, “acho que já comprei isso, devia ter anotado”. No caixa, sacolas e débito. “Acho que já estive aqui”.

Cabeça da gata na janela.

Olhei pro lado. A Suely estava lá. Bilhete na mão. “Não esquece a lista das compras”.

Paulo Victor de Albuquerque Silva

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Jayme, Júlio e Paulo.