domingo, 7 de junho de 2020

toupeira

Meu belo trabalho de toupeira é cavar e armazenar minhocas e nozes presas nas minhas armadilhas diárias. Escavei ontem um texto, fiz-me de traça. Escavei tão profundo o mundo que vivo que vi deus. Tão pouco e tão raro são os orifícios de onde ele respira através de mim e sei da raridade e rarefeito que sou nesse ápice momento de ferocidade. E penso de forma como se faltasse oxigenar uma parte do cerebelo, caricata e ímpar. Não sou sapiens, sou toupeira viva da vida. Quando sinto o cheiro de verde capturo a alegria do dia, choveu. Eu anunciava a saída diferente para a superfície. Com a chuva as minhocas escorregadiças caeam na minha armadilha. Subterrâneas frágeis, dilaceradas, confusas. Não. Mamífero domínio do meu mundo. Mamífero feroz faz-tudo. Não há um elemento que não saibamos liquidar e gerenciar para nossa vida. A forma mamífera humanóide se repete em outras instâncias de inteligência viva. Só o fato de mamar é o ímpar domínio da vida. O calor do corpo de nossos pais. Penetrando na vida o calor diário dos ambientes dominatórios. Deparei-me que era mamífero pelo cheiro da verdade. A verdade é o verde transformado em verdidade. Para nós são as tetas do sulco quente. Dos poros de nossas fibras musculares, das contrações e das manias de esfregar-se. Bicho desejante de esquentar-se. A gente sua e sente o suor cheirado de nosso grupo vivo. No sexo contagiante da palma de mão ardente da espécie. As hienas riem lá de cima. As baleias bocejam migrando nos diversos oceanos. E eu sou uma toupeira fria. Pobre de quem é minhoca. Raiz viva é a minhoca. Eu sou terra. Mais terra porque o fluxo oxigenável da vida sou eu que transporta. E a minhoca morre para que eu dê à raiz mais vida e atenção. Mas a hienas vociferam que a vida na terra é melhor que debaixo. Minhoca é o fluxo cego, só anda em bando mas tristes e solitárias. Os morcegos, que conhecem o noturno pelos ares bailantes, vociferam que o modo de vida verdadeiro é o das aves. E eu só quero ser toupeira. Desconfio de quem ri e acha tudo maravilhoso, como desconfio de hienas. Também desconfio dos altares. Desconfio da superfície da vida e a hiena é o símbolo da superfície. Atraio para a profundidade o cheiro verde que eu mesmo quero. Na conexão íntima dos mares, o verde da superfície que as baleias vibram. Sinto e apalpo a profundidade da terra ao mar. Eu sou a essência penetrante na aparência. Quem fez a palma da minha mão fez a dos humanóides. Até o tatu tentou ter da terra domínio de hiena. Eu disse que não valia a pena. Mas o tatu é de terra outra e tenta ser eu com meu delírio de verde raiz 
que protejo de minhocas carnívoras, prezas. Tatu num cava, se contenta com cupins e formigas. Ele é o rei da superfície e eu da magia profunda. Protejo a esperança do momento futuro. No banquete embriagado de lucidez em que ouso ir à superfície, às manadas e bichos em bandos, humanos e pisadas vibrantes ficam em meu tato.

Jayme Mathias Netto 

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