domingo, 4 de junho de 2017

No limiar

Encontrava-me absorto em meio a fragmentos de frases que me saltam ao corpo,
e que, como Nietzsche, me disponho a anotá-las em qualquer um dos meus blocos de
notas, digitais ou não, e eis que me deparo com esta frase. Quando a leio primeiro me
vem o quanto é uma boa ideia, não reconhecendo-a como pertencente a mim mesmo
nem a outro alguém. “Ninguém nasce pragmático.” Tal obviedade me faz reconhecer
que ela não me pertence, ela é um fato e eu somente a percebi, assim como quando você
repara em coisas que sempre estiveram lá, mas que nós tínhamos outras mais
interessantes para nos envolver. Não quero defender com isso o semântico ou mesmo o
pragmático, eu por mim ainda não disse nada, a não ser a máxima acima exposta.

Enquanto humanos podemos afirmar algo: somos seres que, ao nascer, ou seja,
antes de adentrarmos no jogo linguístico pragmático, possuímos uma vida literalmente
consumida pela sensação imediata, somente com o tempo organizamos linguisticamente
o estranho mundo sensível ao nosso redor. Aqui nos deparamos imediatamente com
uma aporia. O limite da linguagem é o limite da materialidade? A linguagem humana é
o produto do seu corpo com tudo aquilo que lhe rodeia, seu substrato é a própria
matéria. A linguagem é material. E até mesmo aquele que afirma um fora deve dizê-lo
de dentro, ainda se sujeita à imanência. Mas eis que algo vem à boca, perigosa como a
língua da serpente, bifurcada. Existe um limite para a matéria? Pergunta mau caráter de
um daimon malicioso. Não daremos ouvidos pois o limite não pode ser dito.

A filosofia jamais poderá tratar o limite, ele não nos pertence. O limite é
teológico. Esperança infrutífera de pôr um limite à própria vida. Todo nosso
pensamento insere-se mergulhado no meio, melhor dizendo, no limiar. O limiar é
transição, portal entre mundos abertos que se agrupam e dissolvem numa dança dos
átomos. A filosofia semântica está à procura do limite, castração da matéria
fragmentada em essência. No pragmatismo, o jogo é a busca do limite da linguagem.
Aqui o paradigma da linguagem se impõe como limite. Se linguagem é matéria não
podemos afirmar o seu limite, teologia.

Irmãos, o grande papel da nova metà-physiká é reconhecer os limiares, cisões
invisíveis que pairam sobre a matéria mas que não a limitam. O entendimento é o portal
entre mundos possíveis que se entrecruzam. Não podemos afirmar os limites da matéria,
mas somente seus limiares.

Por Paulo Victor de Albuquerque
vivisseccao.blogspot.com

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