domingo, 27 de outubro de 2019

Padeiros do silêncio

Quantos poetas seguem silenciosos entre os passantes da rua?
Quantos miram os olhos na lua ensaiando o não dito?
Em uma multidão, quantos dão à escuridão o palco e escrito de suas palavras?
Quantas estrófes presas no regurgito, quantos versos sufocados no grito que nunca rasga a garganta?
Quantas Clarices, quantos Drummonds, quantos Alcântaras, sem emitir o som, da âncora de suas palavras tão necessárias?
Escondidos atrás de uniformes, de necessidade, de saúde, de trabalho e educação?
Quantos Bukowskis deixaram de escrever pelo caos que rege suas rotinas, pela falta de gasolina ou por não terem pago a conta de luz?
Quantos Nerudas seguem na rua usando surradas Bermudas e pedindo um trocado?
Padeiros travestidos no silêncio da roda que não para de girar.
Engolindo seco métrica e rima, rolando morro acima suas sinas, empurrando seus fardos inadaptados ao mercado.
No tempo em que a palavra é mais arma que afago, quantos Saramagos são calados pela necessidade? E se ao invés de mais armas e quartéis, tivéssemos mais Rachéis de Queiróz?
E se cada quina do mundo fosse um  "Café Java" ou um "restaurante Iracema"? Imagine a cena!
Se se multiplicassem os Antônio Sales por todos os lugares, se houvesse em cada beco um Lívio Barreto?
Como seriam os ares? Hoje tão poluídos de blasfêmia e difamação vaga.
O fato junto à história atesta, a arte não cessa, ela está entre nós! Eles estão!
A míngua da poesia é a sua não declamação. Mas ela ainda segue escrita até achar outra língua de quem como com um choque dê ao coração novo batimento.
Como foragidos e anônimos, detentos com armas de transformação da alma, todos os dias, eles passam por entre nós, despercebidos, silenciados pela mão invisível, mirando o intangível, alargando o limite da razão.
Esperando o dia em que presenciarão novamente o rito que se conclamará na convocação:

"Padeiros do mundo, uni-vos!"
O mundo precisa de pão!

Júlio César

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