domingo, 8 de setembro de 2019

Erro gramatical

Sobre a má fala e má escrita, prefiro. Um texto sem defeito, só texto é. Sem pessoa. Texto intacto, duro, bem feito, é terrível. E do contrário, a maior delícia é ver um texto interessante que escorrega num erro gramatical. Ah! ali constatamos: "tem alguém, talvez". Não falo dos erros reproduzidos. Falo do erro genuíno, do erro bem feito. Esse é delicioso. O "foi sem querer" de alguém que escreve bem e escreve coisas interessantes. Um escorregar de uma letra a mais ou a menos, uma vírgula, um erro de concordância, uma repetição desnecessária, tão natural quanto o redemoinho que se infiltra no vento. Ele causa até surpresas, quem está lendo, ou ouvindo de repente desperta. Eu mesmo, quase dormindo, quando vejo isso, acordo, e, por isso, agora acordei de verdade para isso. Pois quero mesmo é que escorregue o artífice da gramática com suas regras. Vão para bem longe as traças de lupas que caçam tudo tristes nos textos. No fundo, sinto pena de um texto sem defeitos. E da fala, ave maria a pobezinha, como é chato ouvir alguém ouvindo tudo corretamente, bem de acordo, é impossível até acompanhá-lo até o fim, impossível até de conectar o raciocínio. Isso soaria bem para alguns pseudo-contentes, de ouvidos que não digerem bem e uma boca que vomita tudo, e diriam que ao menos isso saberíamos fazer bem, desobedecer, ele complemetaria, risonho, esse novo brasileiro nascente, patriota, verde verdadeiríssimo e de riso amarelo! Soaria bem para ele, mas nem se engane. Quem sabe fomos levados a separar as coisas, a produzir essa ideia, pois toda ideia é produzida, mas na maioria daz vezes reproduzida: aquele que fala bem é bem educado e faz coisas boas e puras e só ele tem mérito, ao passo que aquele outro que fala mal é ruim, pobre, misturado. Está aqui o cerne da coisa e isso vai até nossa ação. O pobre, mal educado, mal sucedido financeiramente e que fala errado são todos sinônimos. Se um rico, branco, bem educado, bem sucedido tropeça, trona-se doente, por que será? Apenas sei dizer inicialmente que o fato é que há capatazes na língua portuguesa. E eles têm nojo de quem escreve ou fala errado, claro, eles são lacaios, suas lanças com pontas de veneno estão apontadas contra nossa pobre liberdade – pobre, preta, indígena, trans, nova, sem nome, sem título e nesse veneno há muito da língua. Eu lá quero saber se é certo ou errado o jeito que falo ou escrevo. Há algo mais imbecil que caçar isso nos outros? Há algo mais incoveniente que essa tarefa de capataz gramatical a favor da escravidão latente em nós? Um erro gramatical é tomado também no meio acadêmico e educacional ou qualquer outro canto dito de alto nível uma falta de caráter, uma pobreza de espírito, uma descrença na capacidade intelectual tanto mais initeligível ele é. A que ponto chegou nossa escravatura, não querem deixar espaço para nada! Até em nossa fala e escrita, elas são reproduzidas para bem aprisionar. Por isso é que repito, é coisa triste falar e escrever correto e bem encadeado, em cada texto bem escrito vejo algemas, contratos de compras e vendas de escravos, chicotes, ferro em brasa, castigos, para que, embrutecidos e adestrados, não falem nem escrevam direito, porque não podem ter direito algum.

Por Jayme Mathias Netto

3 comentários:

  1. Erro é só um ato que foge à regra imposta pelos privilegiados

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  2. Seria Patativa do Assaré um exemplo da liberdade aspirada por ti?

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    1. Olha, Anônimo, eu num tinha pensado nisso não. Mas é uma boa.

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