domingo, 28 de novembro de 2021

Peter Prisco

Prisco era um sonhador. Não daqueles que traça metas, um sonhador acordado. Daqueles que fantasia e sonha enquanto vive. Nem tudo para ele era sobre realizar. Da vida dura que tivera, cedo aprendeu que as vezes, o sonho acordado é escapatória da realidade dura e triste que não escolhera.
Embora ciente de suas limitações, Prisco sempre se esforçou em imprimir em tudo que fazia, todo seu afinco e dedicação, de modo a realizar as coisas de maneira que atendesse aos parâmetros de uma justiça real, ainda que no seu mundo fantasioso.
Das muitas fantasias que criara, uma das mais nobres e preferidas caira sobre o Enem, onde ele frequentemente atuava fiscalizando provas, como chefe de sala.
No entanto, ainda a caminho do local, com sua cabeça cheia de problemas reais, Prisco mudava um interruptor em sua mente e tudo passava a se tornar bem mais interessante para ele. 
A calça jeans e a camisa branca se transformavam em terno azul Royal. Na cabeça, antes nua, materializava-se uma boina com um broche dourado e brilhante e nas mãos vazias havia agora uma maleta de garbo. Os corredores do colégio eram passadeiras que davam acesso ao que antes era uma sala de aula, mas que agora era o seu avião. O barulho do ar-condicionado era a turbina em aquecimento.
Prisco era agora piloto de uma aeronave. Mas não uma aeronave qualquer. O seu destino era voar para além de qualquer estado, país ou continente. Rumava a um lugar que tal qual nas suas fantasias era tão metafísico e ao mesmo tempo tão real. 
O futuro.
Os candidatos eram seus passageiros. As carteiras eram as poltronas que os acomodavam.
E assim, Prisco encarava aquela função tão invisível e sem brilho com a nobreza de um cavaleiro real.
Altivo e com voz de comando, passava as orientações aos candidatos então sempre atentos ao seu tom firme e polido. Ao se aproximar do início das provas, explicava que seriam 5 horas e meia de travessia em altitude de pensamento, e que cruzariam o oceano da introspecção. Revisava as informações de segurança frizando que, para evitar turbulências, estas deveriam ser seguidas à risca. Prisco não era só o piloto, era também o comissário e a aeromoça.
Os papéis e procedimentos eram os inúmeros botões e traquitanas possíveis de um Airbus dos mais sofisticados.
Fechados os portões e dado o sinal sonoro, as provas distribuídas transformavam-se em cintos de segurança, que deixavam todos afivelados em suas cadeiras prontos para a decolagem.
Ao final das provas os alunos desembarcariam em uma outra realidade, na qual seu destino final, seu futuro, teria sido traçado no "vôo".
Prisco protegia o teste poeticamente, de maneira que ele entendia o que ali estava em jogo.
Entendia a necessidade do paupável, mas reconhecia a chatisse de estar imerso em um mundo cru e descolorido, onde os processos são tão automatizados que perdem o propósito, fazendo com que muitos dos jovens ali nem soubessem ao certo porque estariam fazendo o exame.
Muitos consideram que Prisco não cresceu. Que vive preso em uma eterna terra do nunca.
Quando na verdade, creio que seja ele gente grande, de mais tamanho que a esmagadora maioria, que é possível que "passe pelo bosque e só veja lenha para fogueira".
Prisco busca os propósitos do seu ser, ao invés de clamar por algo que outro disse ser o ideal, ele segue como dizia Belchior, na "alucinação de suportar o dia a dia e no delírio de experimentar as coisas reais."

Deus te abençoe, Prisco.

Júlio César

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