domingo, 28 de março de 2021

Memento Mori

 

O único mal irremediável me aguarda,

Aquele mesmo do qual Chicó tanto falava.

Eu nasci pra morrer.

Como a folha que cai,

E a água se esvai para os polos da terra. 

Sem saber se tem retorno,

Se um dia voltarei sob a forma de outra coisa qualquer.

Compra sem extorno,

Ou certificado de garantia.

Nasci para morrer.

Deixar de ser.

Como a brisa que corre apressada pelos cabelos,

Como o irreversível caos do desmantelo,

Daquilo que tava quieto e eu não sosseguei até quebrar.

Nasci e irei morrer,

Sem saber o que me espera.

Valhalla, elísios, harém, paraíso

Sem esferas do dragão pra desfazer o luto,

Como o doce amadurecer dos frutos,

Cada vez menos polpa, cada vez mais casca.

Para o regozijar dos brutos

E a saudade dos poucos que de alguma forma toquei.

Eles também passarão.

Nascemos para morrer,

Como dormir para nunca alvorecer,

Murchar como aquele suflê que desandou.

Nascemos e morremos.

Como passagem, rito, sem continuidade,

Como deixar de ser bonito, com o passar da idade.

Sem mito.

Verdade, certeza, fato inevitável.

Como o fim certo em que tudo converge para o laudo imutável,

De que somos finitos, passageiros, limitados,

Que expirou-se o prazo de validade.

Certo dessa valsa que, cedo ou tarde, dançarei com Samael

E de que a velocidade é alta,

Resta juntar as moedas 

Para a travessia Estige-Aqueronte

E ver cada pôr do sol no horizonte como se não fosse renascer.

Sempre nasço para morrer,

Morrer de amor,

Morrer de rir,

Morrer de comer, de beber,

Morrer de fazer e dizer tudo aquilo que me faz feliz.

Pois as cicatrizes que ficam das feridas dessa vida também morrerão comigo.

Tudo que temos, que vale a pena,

Vem do sentimento envolvido no processo.

Então eu nasci e vou morrer sim!

Morrer de excesso!

Morrer porque me expresso sobre tudo que me toca.

Morrer possesso pelo que me apraz.

Eu nasci pra morrer!

Não há o que fazer,

Está escrito!

Então que aqui fique dito,

Que nesse meio tempo,


Vou morrer de viver.


Júlio César Barboza

Um comentário:

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