domingo, 21 de março de 2021

Dos dois aforismos eficazes

1. O tédio é de onde brota a filosofia e seu distanciamento do mundo. Perguntar-se é querer ocupar-se. O marasmo é de onde vem todas as reflexões possíveis. Da falta de sentido de tudo, do distanciamento dos humores do homem. No tédio há certa constância de pensar e agir, mínima possível que convida à inação. O tédio e a preguiça compõem o ócio filosófico. O filósofo é um resultado de uma mente que pensa sem parar sobre o próprio corpo que não se relaciona com nada, porque está imerso na imobilidade do ser. Diante do crivo metafísico segundo o qual há o gozo de tudo abarcar porque é alegria, o tédio é a incapacidade de viver, de saber por que se vive, se são apenas naqueles momentos únicos que a vida diz sim. Simpatizo com Cioran e seu Livro das Ilusões, pois é um dos únicos que pensaram isso, um dos únicos que acessaram isso. É essa dualidade, que como eu defini certa vez em Outrora, segundo a qual a vida tem dois pólos de sentimentos ontológicos, duas certezas imediata, a alegria suprema onde tudo é vida e a tristeza profunda onde tudo é dor. No entanto, digo agora, diferentemente de quando disse em Outrora, esses são sentimentos fugazes como toda e qualquer certeza nos nossos tempos. E é aí onde reside a preguiça metafísica. Ela reproduz a forma do tédio, de onde brota todo perguntar-se e todo autojustificar-se que se fez com o nome de Filosofia.

2. Entediado é Platão, entediado Aristóteles. Entediado das mudanças que eles denotam corruptíveis em ambas metafísicas. Entediado por métodos como formas de travas. O pensamento como trava do tempo. Pensamento como trava da mudança. A ideia como ficção e fixação da pausa. O maior perigo é detectarmos essa vontade em nós mesmos. Nós mesmos travando uma metafísica que não quer deixar escapar nada. Nós mesmos lutando contra um fluxo e morrendo de medo. Nós mesmos preocupados. Nós mesmos depressivos. Nós mesmos, os ansiosos do nosso século. As doenças, o terrorismo, as ameaças de uma vida que se pôs contra qualquer mudança e nós mesmos travamos taradamente uma luta interna contra a vida como devir. Nós mesmos, os que não compreendem, incutimos essa metafísica nas mais profundas formas de nosso pensar e de nosso agir.

Jayme Mathias Netto

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigado pela participação. Continue acompanhando e comentando, isso é fundamental para nosso trabalho.

Jayme, Júlio e Paulo.