domingo, 23 de fevereiro de 2020

visão

"Eu tive uma visão esta tarde - eu vi aqueles que vão me seguir e que não possuem, de maneira nenhuma, corpos, porque os porcos, como os do restaurante de ontem a noite, comem muito. E há aqueles que comem muito e outros que como eu não podem mais comer sem escarrar." Artaud, 24/02/1948 à Paule Thévenin. Gallimard, Tome XIII, 1974, p.147

Artaud revoltado, talvez sem voz agora. Artaud sem voz não está entre os mortos. Elucidando sua xilofonia. Colocando seus gritos e rituais. E eu ouvindo tudo isso só penso em ressucitar suas ideias como as de um ancestral.

Um livro que antes me era nada, agora é o motivo da minha manhã, antes do amanhecer cinza desse inverno, porque agora escrevo, da minha maneira, um diário. Fabrico meu iconsciente. E isso é tudo. 

Nada se simplifica senão no cansaço do dia. 

Nada se apressa senão no cansaço do dia. 

E artaud me alerta para vidas outras. Artaud tem voz. Ele não pode, tal como eu, comer sem escarrar. Artaud escrevendo para o peão, o barbeiro, o mercador, o mecânico, o pedreiro. Artaud gravando como precursor do que hoje seriam os tais PodCasts. 

Artaud numa linguagem própria. E os burocratas crescem para diminuir isso, só comem tudo pela frente. Ajeito tudo, me limpo de tanto escarrar, ouvindo os espíritos vivos de composições infindas e mau sei o que pode meu corpo. Cabisbaixo com o tempo e, ao mesmo tempo feliz, como se tivesse esquecido o dever. E ainda o tenho? Depois disso tudo ainda o tenho? O carrossel sempre gira devagar... e continuo na necessidade de precisão do olhar. Artaud vocifera.

Jayme Mathias 

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