domingo, 2 de fevereiro de 2020

O que é isso: a leitura?

Perguntava-me a mim mesmo como ler num tempo em que o que importa 
insuportavelmente é a atividade frenética, onde ninguém é levado ao extremo de ser afetado, onde o que importa é sempre afetar, mostrar-se afetando, ativo, independente, autônomo e supostamente livre? E percebi que a atividade da leitura é uma contraposição ao tempo. Ela é inimiga do tempo.
No sentido de que temos quase que refrear o tempo a fim de conseguir realmente ler um parágrafo. É até um desafio para quem ama a leitura e com ela trabalha, imagine para quem foi levado a detestá-la. Nesse sentido, costumo repetir como um maníaco as leituras que já fiz, às vezes passo um dia inteiro numa
única página, perguntando-me não de que modo isso me afeta, qual minha interpretação, mas o inverso: deixo-me ir até onde com isto? Qual o extremo limite desse texto sem mim? Há muitos afetos na leitura por si só. Eu diria que há aquela coisa da velocidade e lentidão. Quando há lentidão, há junto com ele o tédio da lentidão, onde as ideias e sentimentos vão lentamente 
tomando conta, mas de repente, quando é permitido, há toda uma velocidade na leitura, ali é quando algo se torna mais que texto. Esse talvez seja o momento a ser conquistado, ensinado, dito aos alunos e às crianças. Porque outro fator importante da leitura é colocar-se em outra perspectiva que não é a sua, e hoje cada um tem um trono e um reino para si. Então, enxergar o outro, entrar em perspectiva, deixar-se afetar pela lentidão tediosa são avessos ao tempo, inclusive ao nosso tempo. E é necessário passar por isso. Sem isso, não há o gozo daquele momento a ser conquistado, ou, se há, é um gozo mesquinho. Ler é eliminar o eu. Ler é algo raríssimo. Mas não como algo puro, altíssimo, elevado, só para os intelectuais. Não. Tem inúmeros não alfabetizados ou não letrados que lêem muito melhor e sequer tem uma biblioteca.

Jayme Mathias Netto 

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