domingo, 15 de abril de 2018

Filosofia do tudo

Antes da decadência, havia tudo. O tudo era mudança inclusive e necessariamente. Heráclito brincava no rio que sabia não ser o mesmo, sequer ele também não o seria. Tudo é transformação. E satisfeitos, tanto o rio como Heráclito saiam mais inteiros e
rindo da sua inexplicável relação. Ele chamava isso de brincadeira e o ser para ele era uma criança. Um jogo leve e alegre onde a própria decadência era triunfo. Um tropeço que nosso corpo sara logo. O que queriam os amantes da sabedoria? Saber sobre o tudo. As surpresas do estranho eram motivos de oferendas, banquetes e filosofavam sobre o tudo. Antes da
feiúra socrática chegar e apequenar o pensamento. Antes do moribundo não entender nada do trágico da vida. Antes da tragédia ser posta de lado como uma ilusão. Antes de Platão expulsar os artistas da república, pelo mais puro medo já conhecido. Antes, havia uma
constante mudança, havia o perigo como toda mudança e havia o medo também, com a qual uma população inteira brincava com os deuses. Depois, com esse filósofo, o pensamento virou
rédeas de cavalos indomáveis. Os decadentes chamariam a mudança agora de corrupção da matéria e começariam a proclamar: do nada, nada vem.Tamanha revolta, porque todo medo gera raiva. Eles então começariam a louvar a criação e o tudo era o corruptível, o múltiplo era negligenciado, a mudança era feia e falsa. Tomaram o rio e Heráclito e fizeram dialética, como a última palavra de que colocaríamos rodas na carruagem do tempo. Mas, em seguida, transformaram o tudo em nada. O nada começou a falsear o tudo. Esse mundo não era digno do ideal. Ele era decaído como adão e seus pecados, era decaído como o cristo e seu amor. E, em vez de nos libertarmos, esse mundo agora tinha uma dívida eterna: devia ser outro, devia ser o paraíso. Enalteceram até as últimas entranhas o dever-ser e utilizaram
figuras caricatas para tal. Pouco tempo depois, o cansaço criou o eu como o novo deus quando esse também decaiu. Hoje, batem no peito com suas certezas os nossos sábios contemporâneos! Hoje, somos qualquer coisa que valoriza o nada e a decadência que está travestida bem
na nossa frente, ali mesmo no espelho da ciência, da filosofia, da arte. Sequer percebemos os ganchos e as travas que nos acorretam para a negação do tudo e seguimos ideais, vazios e nadificadores.
Por Jayme Mathias Netto
Vivisseccao.blogspot.com

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