domingo, 20 de fevereiro de 2022

Aldinha

Não posso mais tocar

Não posso mais sentir o carinho

Não posso mais pedir uma história que ela lembrava

Não posso mais pedir pra saber como era quando eu era criança

Não posso mais pedir pra ela pastel de queijo

Não posso mais pedir pra ela meu bolo de goma

Não posso mais ir na sua casa e sentir seu cheiro, sentir seu abraço e seu beijo

Não posso mais pedir para que me conte o dia em que eu nasci

Não posso falar com a única pessoa na vida, a única que nunca me aborreci, que nunca briguei, que nunca me irritei...

Há 5 anos já tinha ido o mental, com o Alzheimer confundia-me com outros netos, não lembrava tanto 

dos detalhes nas histórias

Há muito não tinha eu os detalhes dela

Mas o fato é que foi-se...

Que não posso mais tocar...

A vida agora é o tudo o que havia antes, porém sem ela

E não posso mais um monte de coisa

Só resta lembrar o quanto era forte, o quanto era algo o mais próximo que vi de uma santa

Nunca foi à Fátima, seu sonho, mas mesmo assim dentro dela era como Fátima

Fazia milagres

Só resta lembrar o quanto era humilde, às vezes teimosa, mas sempre cuidadosa consigo mesma e com 

os outros

Só resta lembrar o que aprendi para ter pulso firme levantando sempre a mão esquerda

Mas agora a vida é tudo o que era antes, porém sem ela

E nessas horas queria reinvidicar de Deus meu direito de sofrer na hora certa

Deus sendo esse ser dotado de vontade devia nos dar a chance de fazer uma cesária da morte

Escolher hora e data, já que o dia estaria chegando

E a gente ia lá e se despedia de todo mundo

Ele nos mandava embora sem estarmos em hospitais, sem sofrer

Só se despedindo como quem viaja e olha uma paisagem bonita pela última vez, talvez até festejando e fazendo da morte um momento único como o nascimento

Mais simples seria se trágico fosse

Ao guardar certa tragicidade ganharíamos talvez bem mais beleza e força

Jayme Mathias

Um comentário:

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