domingo, 15 de novembro de 2020

Pus

"Fugi do mau cheiro. Fugi da idolatria dos supérfluos. Fugi do mal cheiro. Fugi da fumaça desses sacrifícios humanos. 
Ainda agora a terra está livre para as almas grandes. Vazios estão ainda, para os solitários e os sozinhos a dois, muitos lugares em torno dos quais corre o cheiro dos mares quietos. Ainda está livre, para as almas grandes, uma vida livre. Na verdade, quem pouco possui, tanto menos será possuído: louvada seja a pequena pobreza."
(NIETZSCHE em Assim Falou Zaratustra ) 

A poesia tornou-se um pus da sociedade, anunciando que há uma luta interna entre a cura da doença que a gente vive. Sinalizando a luta do corpo doente. Anunciando a ação de um anticorpo. No futuro, verão esse século e falarão: "Eles eram isso e isso, eram uma transição entre tal e tal coisa”, como sempre fazem os historiadores e acrescentarão: “Mas aquele século era o século onde a arte se disseminou para qualquer um. A Áurea por trás do artista apagou-se e deu lugar ao artista que havia em cada um, porque seu tempo sufocava um por um. Eram seres expressivos por excelência que não queriam deixar sufocar a vida que 
levavam. Tinham turismos acessíveis, viajavam em vários cantos do mundo, tinham informações para saber sobre qualquer tempo de qualquer lugar e época, mas algo sufocava aquele século pelo qual eles tinham que expressar artisticamente sem serem artistas 
consagrados." 
Então pergunto-me hoje: seremos nós a efetivação do triste eterno retorno? Sou uma espécie de Nietzsche não germinado? Um tipo de Spinoza corrompido? Incapaz de operar qualquer mudança na forma de concepção dessa realidade de ‘panem et circenses’? Um decrepto incrédulo e fruto de uma sociedade abortiva que me desceu pelo ralo? “Fugi do mau cheiro”, mas ele não se foi totalmente. Permanece entranhado cada vez que tento me comunicar... E quanto mais passo o rodo da língua, mais sujeira eu vejo que me cerca. Sou o peixeiro que se lava compulsivamente após o expediente e ainda assim não cheira bem. Por hora me concentro em passar o sabão da forma mais intensa que consigo. Que minha tentativa de ser diferente não me leve a uma igualdade qualquer. 

Jayme Mathias & Júlio César 

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