domingo, 22 de novembro de 2020

Diafragma

De onde surge a poesia?
É a pergunta da vez. 
Com quantos anos você fez seu primeiro poema?
Viu na linguagem o primeiro problema entre sentir e dizer?
Respondo que,
como o canto da voz,
como o vento assobia,
como água da foz,
ela "brota no bailão."
Como o regurgitar,
involuntário,
daquilo que não se consegue segurar, um transbordar que se finda no alívio da expressão.
Sem pressão,
feito respiração diafragmática,
ocorre sem que percebamos.
Ray Bradbury disse certa vez que "o homem precisa ter algo para fazer, caso contrário sente-se inútil" deve-se, nestes momentos, lembrá-lo de que existem outras coisas. Lembrá-lo "da honestidade, beleza e poesia que se perdeu pelo caminho."
Aquilo que se fez verbo, possível foi somente por parar para observar na contramão da repetição técnica.
"Homens ativos rolam tal como pedra conforme a estupidez da mecânica."
Camus diz que isso acontece pois:
"Adquirimos o hábito de viver antes de adquirir o de pensar. Nessa corrida que todos os dias nos precipita um pouco mais para a morte, o corpo mantém esta vantagem inalterável."
Por isso é importante,
que uma vez ocorrido o rompante,
é preciso treinar o olhar, para ver adiante,
tal como se treina o diafragma.
Dar atenção à beleza colateral.
Nela pois, reside a poesia,
na fantasia de sonhar acordado,
de olhar de lado e enxergar, 
por entre as frestas da rotina,
no reflexo da piscina,
durante a sabatina do professor,
o arranjo de palavras, usadas todos os dias, 
ordenadas de tal forma,
como o retumbar de uma metralhadora,
que atinge diretamente a alma,
lembrando o homem daquilo que  criança nunca esquece.
Pois pode ser que no fim das contas,
a junção de todas as pontas, 
a resposta de todas as somas que fazemos em nossa cabeça, 
é de que o sentido da vida é sentir e não pensar.
Expressão,
concretização da impressão.
A tantas pressões somos expostos. Mas é justamente da contramão que nasce a poesia,
da mesma fonte da filosofia que responde a teimosia do corpo em existir e questiona o motivo.
Mas também pelo que foi sentido na pele, nos olhos, nos ouvidos.
Reflexão,
reagir a uma ação.
Como o respirar. 
Relaxar.
E assim, o que começa como um tatear no escuro,
um sapatear no desconexo,
toma forma de sentimento que não cabe em nenhuma gramática.
A muitos porquês atribui-se a causa poética, ao absurdo, ao avesso,
a estar perto do fim,
ou logo no começo,
a resistência,
a essência e a beleza,
até mesmo ao estranho.
Gostaria pois, de adicionar a estes ganhos, o diafragma.
Ele está em todos nós,
move-se silencioso, sem que notemos. Involuntariamente,
tal como ouvimos o silêncio,
como enxergamos a escuridão e consertamos o que quebrou.
Está lá!
E uma vez que passamos a percebê-lo, podemos usá-lo sempre que julgarmos pertinente.

Júlio César 

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