domingo, 1 de novembro de 2020

Ozymandias

Adrian, altivo, observa de cima de seus ombros bem postados a humanidade em decadência. Tanto tempo se passara e ainda assim quase nenhuma ruga denunciava seus dias. Não fosse a mecha de cabelo prateada, partindo do topo da fronte e descansando serpeante parietalmente, atrás da orelha, lhe diriam ter seus vinte e poucos anos. Sempre bem tratado pelos cativos que enfileirou aos pés do seu intelecto, das mais diversas etnias, religiões e filosofias, ele bebeu. Absorveu o que dinheiro nenhum, mesmo os seus bilhões o proporcionaram. Empírico, se inspirou em grandes conquistadores, atraído por suas perfeições estratégicas. Alexandre, Ramsés, com os quais sonhava e se inspirava, mas que após conhecer detalhadamente suas trajetórias, regurgitou os anseios ao ver o quão pequenos eram e o quanto os livros tinham sido para eles enormes lentes de aumento. Agora suas imperfeições o fascinavam ainda mais. Questionava o que teriam feito esses homens de bom para serem tão honrosamente retratados, por matar e escravizar, por ter em suas mãos culturas e povos desmanchando-os como esculturas de argila. "Esses--refletia ele com desdém-- são os maiores exemplares da humanidade", almejava chegar em outro patamar, construir para si a hegemonia perfeita. Em contramão, era concomitante o quão às vezes pegava-se no introverso cotidiano dos comuns e os observava inquerindo como idiotas erráticos conseguiam errar de novo e de novo e continuar errando depois disso? Como tartarugas a escorregar no lodo da saída do lago e voltar ao fundo para tentar tudo novamente. Mas é do feitio da própria existência que genialidade alguma, de grande homem qualquer, por maiores que sejam suas conquistas, consiga superar o inato. Como que num giro do plot, o destino colocou Adrian junto ao joio do qual tentara a todo custo se separar, quando murmurava repetidamente para si e seus cativos: "Meu nome é Ozymandias rei dos reis, contemplem minhas obras ó poderosos e  desesperai-vos." Adrian julgou que o conhecimento ultrapassa o tempo e o tempo daquilo que ele julgava saber passou e transformou tudo ao seu redor. Como numa espécie de círculo perfeito. Seu Q.I rapidamente assimilou que o tempo engole tudo, até mesmo a certeza científica, fazendo o mais inteligente ser o mais tolo por não ter percebido o simples giro de um ponteiro.
Já com ombros nem tão altivos assim, Adrian se viu espatifado. Dos seus pedaços, sobrou a cara não mais astuta, mas resignada. Em cacos diante de seus próprios pés, repetia seu mantra com os lábios quebrantados em meio aos gentios, que aos poucos sumiram dali deixando Adrian soterrar-se lentamente no próprio deserto de solidão quase inabitável, exceto para si e seu fabuloso ego.
Pouco antes do oblívio, sua mente mesmo convalescendo, em um relance de acuidade, entendeu tarde demais que, defronte ao tempo, a verdade se torna mentira, o absoluto vira relativo, uma quimera é louvada de sensatez, e impérios de reis viram o caos do tolos. 
Que "homens gostam muitíssimo de construir e pouquíssimo de preservar"
E o que um dia fora fidúcia da imponência, hoje se esvai distante na narrativa fantástica de um viajante de terras antigas que certa vez se deparou com "duas imensas e destroncadas pernas de pedra erguendo-se no deserto... e no pedestal apareciam essas palavras: "Meu nome é Ozymandias rei dos reis, contemplem minhas obras ó poderosos e desesperai-vos."
De quase tudo que se vai, o que permanece nos lembrando volta e outra é que, seja pelos olhos de Shelley, ou de Smith, seja nos reinos de Alexandre, Ramsés, ou até mesmo o do impetuoso Adrian, é que todos os impérios caem.

Até mesmo os da mente.

Júlio César 

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