domingo, 24 de março de 2019

Diga-me o que vê

Fecho os olhos.
Cansado de ver sem enxergar, simplesmente os fecho.
Do alto da baixeza apenas ouço.
Mastigo o nada.
Engulo seco.
O frio que corta a madrugada na sarjeta assusta pelo silêncio com o qual atinge os ossos.
O fio da meada agora escurece junto ao o cerrar das pálpebras e da negra noite. Eles não importam mais, tal como a escuridão, evanecem.
Ouço tudo e nada vejo, não obstante, enxergo.
Fora do Ouroboros, para além do bem e do mal.
Ouço ao longe a resignação da vida, diante das vestes da moral do sacerdócio.
A fraqueza disfarçada de nobreza,
enquanto aguarda silenciosamente pela eterna Vendetta.
Ouço apertos de mãos com o demônio, para então passar por eles.
Ouço rajadas de balas em livestream, em nome do nada.
Nobres detentos presidem agora apenas as grades que os encarceram.
Ouço o alastrar do câncer na fábrica de ideais.
O debater-se em vão na areia movediça.
Como o debater-se da mosca na teia da aranha.
Ouço o clamor por um vingador que não sabe sequer empunhar a espada.
Queremos a salvação, repetem.
Entregam as chaves aos cegos do Castelo.
Ouço tilintar das fichas de apostas na mesa.
E o all-in de quem não sabe jogar.
Em pouco mais de um par de horas, abro os olhos.
Esqueço os ouvidos enquanto observo o esplendor de um novo dia.
Ainda que igual, me iludo que possa ser diferente.
Me insiro novamente no ciclo sem fim.

Que saudade das minhas asas...

Júlio César

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigado pela participação. Continue acompanhando e comentando, isso é fundamental para nosso trabalho.

Jayme, Júlio e Paulo.