segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Sangue

Dizem que o sangue é um fluido vermelho, abundante em nosso corpo e que é responsável por funções muito importantes para a manutenção de nossa vida. A genética vem nos mostrando que nele, como em muitas outras partes do corpo, estão estruturas que carregam informações que são passadas entre as gerações, oferecendo, então, os caminhos pelos quais as formas de nosso corpo e mente serão desenhadas. A ciência genética avança, é verdade, mas não precisamos dela para saber dos prodígios espirituais e fenomênicos desse líquido que está presente nas veias de cada um de nós - afinal, antes de nosso tempo, Jesus já não sabia que era descendente de Davi, sendo filho de José, e este de Jacó, e este de Matã, e assim por diante até que se chegasse no patriarca Abraão? O sangue é o pré-requisito do tempo. O sangue é permanência e ruptura ao mesmo tempo; o sangue é a dialética encarnada. Ao invés de representar uma determinação natural, uma fatalidade biológica, através das quais os homens e mulheres seriam cópias uns dos outros nas suas diferentes gerações, é nele que as milhares de possibilidades de combinações pela via da mistura de dois códigos genéticos acontecem. Pelo sangue, a Maria assemelha-se a Raimundo, seu pai, no que este tem de inquieto, questionador, insubmisso. Mas enquanto este é saudoso de seu "velho tempo", onde o mundo era melhor, aquela busca as rupturas das estruturas de hoje para que o futuro represente as possibilidades de uma vida melhor. O sangue que corre num, corre na outra, mas como esse fluido é o lugar das possibilidades infinitas, ele também representa a substância capaz de dar passagem aos novos espíritos nascentes dos novos tempos. Mas, deixadas de lado as ilações distantes, resta-nos perguntar: de que forma, realmente, o sangue se manifesta em nós? A resposta desta pergunta é o motivo d'eu ter feito este texto. É muito estranho, mas também incrivelmente bonito, ver como o sangue que corre em mim e que corre em meu irmão faz com que nos façamos parecidos, tenhamos um jeito de falar parecido, tenhamos cabelos parecidos, olhos da mesma cor. No meio da caoticidade, dentre as zilhares de possibilidades das coisas acontecerem de maneiras infinitamente distintas, duas pessoas podem partilhar de certas características, ocasionando o fato delas poderem se identificar como pertencentes a algo comum entre uma e outra. Eu e minha mãe temos os mesmos olhos, e ainda partilhamos da mesma personalidade, dizem. Reconhecemo-nos como seres aparentados, e esta palavra é rica: aparentados em aparência, mas, também, aparentados em parentesco. E o sangue que corre verticalmente, corre horizontalmente, e lá vai você aparentar-se aos primos. São todos muitos diferentes, mas são todos aparentados, ao final. Por fim, digo que dizem que o capitalismo acabou com o sangue, que o individualismo vem minando as sociabilidades derivadas desse fluido, marca tão característica de tempos pretéritos. Isso pode ser verdade, e esse pode ser realmente um dos intuitos da modernidade capitalista. Mas a questão é se isso vai se tornar realidade: na guerra entre sangue e capitalismo, a vitalidade do espírito humano que transcende gerações irá perecer? Eu acredito que não.

Por Willem Carneiro
vivisseccao.blogspot.com

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