sábado, 19 de agosto de 2017

O despertar

O despertador toca. Quem sente primeiro o seu chamado? O olho abre, o braço abre, a perna abre, a pele... O tecido da cama se dilata junto com a pupila. Uma dança distorcida da mais pura leveza seguida de contorções se martela horizontalmente. O leito se torna um quadro adornado pelo movimento do animal que desperta. A canção são os estalos de ossos e gemidos que ecoam nas paredes, o maestro é o alarme.
Levanta-se, o coração tenta acompanhar o despertar das células e o sangue corre mais rápido pelo corpo. Jamais em estado de alerta, anda no modo automático, movimento fisiológico natural que carrega o bicho até o sofá mais próximo. Ele não pensa. Catatônica, a pele pulsa para mais um instante de vida. O despertar do corpo começa no sonho preliminar à vigília, ele prepara o renascer. São nesses instantes que o não sentir sustenta a falta de pensamento, aqui o animal prevalece sobre o humano. Bem vindos ao não-humano.
Momento único, tempo fundamental e singularmente sem igual. Hora precisa para nada, que nunca volta pois não tem, que não faz falta pois não é. Buraco negro dos sentimentos, furacão de insensibilidade. Mas afinal, quem desperta primeiro? O bicho e ele nunca mais volta.
O despertador toca. Quem sente primeiro o seu chamado? O olho abre, o braço abre, a perna abre, a pele...

Paulo Victor Albuquerque
Vivisseccao.blogspot.com

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