domingo, 14 de agosto de 2022

Releituras (a)gosto: Antoine

 Certa vez, viajei até a cidade em que Van Gogh tinha falecido. Auvers-sur-Oise. Lá tinha um artista que escreveu na porta de seu atelier: "Aberto, pode entrar, não espere eu morrer para valorizar minha arte. assinado: Antoine". Eu sorri e ele me sorriu de volta. Ele deu com os ombros como quem diz "mas num é verdade?". Eu afirmei com a cabeça como quem diz "eu sei bem". Eu entrei e ele me explicou:

- É que essa valorização do passado é por causa do mal-estar. Se a gente separar, se uma arte dadaísta vinhesse primeiro que uma arte clássica, então para muita gente essa seria a verdadeira arte, boa e bela. O que eles estão negando é o mal-estar, não a arte. Quando criticam uma arte dos dias de hoje dizendo que não é arte, na verdade querem se livrar do mal-estar contemporâneo e não daquela forma de arte específica. Olham meu trabalho e dizem: "ele é como eu, é do meu tempo, ele vive toda essa merda, então não presta! A não ser que faça igual antigamente!"

Eu não tinha o que dizer e saí anotando o que ele havia dito, mas também não comprei nenhum quadro e ele sabia que não compraria. E eu sabia que ele sabia. Mais tarde, no final da tarde após ver o quarto do Van Gogh, o cemitério onde ele está enterrado e todas as pinturas de todos os ângulos que ele fez na cidade, eu voltei para o senhor Antoine com um café e uns biscoitos que comprei. Sorri pra ele novamente. Era o máximo que podia fazer, os quadros eram caros demais. Ele agradeceu gentilmente pela visita e pela conversa enquanto terminava sua mais recente obra. A noite chegou, conversei bem mais coisas, peguei o trem e fui embora atordoado. A arte faz essas coisas e não possui remédios ou preventivos. Afinal, por que simplesmente um artista contemporâneo é tão menosprezado? Por que tantas desculpas para não comprar seus quadros? Por que tão pouco valor damos? Como diz Paulo Victor: "é mesmo, tem como não!". Ou Júlio que diz com preponderância : "é mah, esse bicho". Aí pensando nisso fiquei até agora. Se num escrevesse isso acho que eu ia explodir, e o senhor Antoine deve fazer a mesma coisa para não explodir também.

Jayme Mathias Netto

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