domingo, 20 de março de 2022

Réu primário do marasmo

 


Tenho lutado contra a retórica em meu favor.
No processo sou eu o juíz,
advogado, réu e promotor.

A acusação entra.
Os crimes: procrastinação, fracasso. Ter se fechado ao espaço que se abre para o pensar.
Introjeção e ocultação de reflexão. 
Falsidade ideológica.
Receptação de tudo. Emissão de nada.
Homicídio qualificado da leitura.

Ao testemunho, no banco dos reus, relato:
Que aos céus tenho rogado, apesar de não crer na total benevolência do divino
Que alguma força me devolva o fascínio, traga de volta o tino para arte.
Que apague do peito a letra escarlate que salga a semeadura da estrofe.
Além disso não tenho muito que dizer em meu favor.
Pois note, que por tanto tempo fui aluno e agora me recuso a ser professor.
Professar sobre a certeza que nem eu mesmo tenho.
Seria inútil empenho em vender o que não se compra, nem mesmo para si.
Desesperançoso, resta deixar que a defesa entre em cena.
E aponte algo que valha a pena salvar
No meio do lixão em que não mais tenho sido capaz de me encontrar.

A defesa inicia:
Ora se até o nada, tem sobre si uma vasta filosofia 
Onde as conclusões sobre o "não ser" se bicam como galos numa rinha,
Que linha reta essa defesa poderia seguir senão uma curva?
Quando até a própria mente se turva de tal modo a não poder se enxergar no horizonte distante.
A defesa poderia chamar a depor várias testemunhas, para invalidar as acusações nesse instante.
Vivissecções já feitas.
Elocubrações constantes nos autos do processo da vida.
Seriam provas concretas e lavradas.
Porém a inocência ficaria clara apenas aos outros. 
E nada disso inválida o presente julgamento, que nesse momento é de si.
Como, no entanto, demonstrar ao juiz a inocência de alguém que quer ser incriminado?
Ou pelo menos desistiu de se declarar inocente?
A defesa apela portanto que se atente a verdadeira culpada dos crimes apontados. Depressão.
Ora, pois que nada mais ela é, que se colocar além de qualquer salvação.
Empurrar para si o irremediável rótulo de invalidez.
Sem clamor, sem amor, sem perdão.
Pois ainda que todas as autodefesas, "autoestimativas" tenham sido dribladas, a defesa foca a narrativa no argumento de que permanece acima de tudo, o julgo da razão. Ao que dizia Sêneca: " a adversidade é exercício. Não importa o que você suporta, mas como você suporta."
E este indivíduo caro juiz, segue suportando. Fez disso um vício ano após ano, depois de todas as quedas que levou.
Como um indivíduo que berra aos 4 cantos, que desistiu de si e ainda assim, segue escrevendo esse texto, a defesa encerra pedindo absolução deste, por cegueira do ser causada pela "desvontade" da vida

A sentença:
Todos de pé!
Com a palavra vossa excelência, inteligência máxima residente neste amâgo:
Das acusações feitas e argumentações apresentadas, este que autolegisla entende, que este julgamento é a maior prova de que ainda se processa no réu tentativa de ir contra tudo aquilo de que fora acusado. Tendo em vista que intenção não exime culpa, a justiça determina que o réu peça desculpa a si mesmo pela sua autosupressão constante, caso assim não consiga, que busque ajuda profissional externa.
Para concluir um conselho da jurisprudência para o comitê de essência do réu, que baniu de si a alegria.
Um excerto, de uma mensagem certa vez capturada, despropositada, a esmo, mas nunca realmente em vão, nos arquivos do inconsciente:
"Você tem que acreditar na poesia. Porque tudo na sua vida vai deixar você na mão. Inclusive você mesmo."

Júlio César


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