domingo, 2 de janeiro de 2022

Mas o gato não morreu eu réu


Na hora do dia mais específica 

que se possa imaginar

No momento exato do 

que se possa assinar

Nosso amigo já dava voltas pelos muros da cidade

Hoje seu dia é! Mas é dia de que?

É dia de dia ou dia de morte?


Saía com um saco de amendoim na cabeça

O gato 

apressado

Até o fim da calçada

Foi ao meio da pista

Já estava cansado


Seu rosto camuflado era 

cheio

Por dentro do saco era 

desespero

No meio da pista era 

medo


Por fora um animal perdido e 

inocentado

Por dentro era não ter à racionalidade humana 

adequado

"Que vantagem" gritou o felino quase 

atropelado

"Que bobagem" o outro miau testemunhava


Frases últimas do gato solto 

a presa

O vai e volta do desviar cego de rodas

"O gato 

tá sem 

cabeça"


Eu já previa o seu segundo 

derradeiro

E logo, logo já restariam menos de sete mortes 

verdadeiras

O saco era um capus que lhe tomava 

a cegueira

Desviar de vida 

passageira


Sete rodas 

desviadas 

e sete xingamentos do trânsito 

revirado

O rabo 

desconfiado


Deitou-se no asfalto

Assassino solto 

Cego dos ouvidos

Olhos submissos


A roda roda rápido e para no sinal

freia

Cada roda 

em cadeia


Ninguém cobria a cena do felino 

medo

Só se humano servia 

a esteira do gato 

preto


Numa nota só assovios e 

caretas

Na pressa diária

Foram salvar o gato à 

espreita

Salvo pelo azar supersticioso do condutor 

"matar uma morte 

preta?"


Cada roda encadeia

Na consciência a ideia faceta

"Eu? Salvar o gato?"

"Mas é gato preto"

"Parar o tráfego?"

"Mas vai sem medo"


Era a pergunta em cada cabeça,

 motorizada

Em cada forma que 

tornava 

o felino tolo

abobalhado


Morrer repartido pela borracha separando o seu 

corpo

"Vou

não vou?"


Os homens pagavam aquela morte barata pela pressa

na vergonha da compaixão 

felina

O gato entregue à cegueira da morte que cedo ou tarde 

era sua sina

Um saco na cabeça e tudo pronto para a 

guilhotina


De tanta fome deve ter se colocado lá sem 

conseguir

Sair

Ou de tanta sorte eram os homens tolos que fizeram aquilo para

não parar de 

rir


A roda do 

lado 

pensava em armadilha de 

assalto

Controle remoto de um

gato


Desviou acelerou com pavor na cara

Gato assustado e carros 

cambaleavam

Para não matar o único inocente na pista

Desviavam a atenção

disfarçavam


"Quero chegar logo em 

casa!"

As crianças riam e 

com medo do fim 

torciam


Gato vivo, gato morto

Mas ninguém queria a transição 

testemunhar

O segundo derradeiro de uma vida 

parar

Os humanos também tinham olhos vendados

E não enxergavam a vida a que se aproximava

para 

salvar


"Calma, a salvação já vem"

gritavam

Eu fui!

"É só retirar o saco!"

Os olhares

desviavam

eu 

apanhei 

os

meus pensamentos 


Meus pensamentos

são como os carros 

que vem e voltam 

no caminho que 

estou


Carros no asfalto 

quente 

que muito se 

pisou


Os pés descalços 

as solas apressadas 

que por aqui 

passou


Até o sangue derramado aqui 

presente

Neste asfalto 

quente 

que aqui 

estou


É o sangue do meu corpo 

Que veio do 

sol-nascente 

que, agora, procura a sombra, 

amanhã 

seu calor


Do corpo gelado que sobrevive 

calado 

e o pensamento 

parou


Parou o carro ao meu 

lado

E o céu 

estrelado

Que brilha como 

caco

do para-brisa

Iluminado

à minha vista fadado

estou 


Segue à risca como o risco de quem 

arrisca 

salvar o gato


Meus pensamentos 

são como 

carros 

que param no caminho que 

ficou


Ao observar o corpo 

gelado

e calado 

que não

 mais sente 

dor


Jayme Mathias Netto




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