Na hora do dia mais específica
que se possa imaginar
No momento exato do
que se possa assinar
Nosso amigo já dava voltas pelos muros da cidade
Hoje seu dia é! Mas é dia de que?
É dia de dia ou dia de morte?
Saía com um saco de amendoim na cabeça
O gato
apressado
Até o fim da calçada
Foi ao meio da pista
Já estava cansado
Seu rosto camuflado era
cheio
Por dentro do saco era
desespero
No meio da pista era
medo
Por fora um animal perdido e
inocentado
Por dentro era não ter à racionalidade humana
adequado
"Que vantagem" gritou o felino quase
atropelado
"Que bobagem" o outro miau testemunhava
Frases últimas do gato solto
a presa
O vai e volta do desviar cego de rodas
"O gato
tá sem
cabeça"
Eu já previa o seu segundo
derradeiro
E logo, logo já restariam menos de sete mortes
verdadeiras
O saco era um capus que lhe tomava
a cegueira
Desviar de vida
passageira
Sete rodas
desviadas
e sete xingamentos do trânsito
revirado
O rabo
desconfiado
Deitou-se no asfalto
Assassino solto
Cego dos ouvidos
Olhos submissos
A roda roda rápido e para no sinal
freia
Cada roda
em cadeia
Ninguém cobria a cena do felino
medo
Só se humano servia
a esteira do gato
preto
Numa nota só assovios e
caretas
Na pressa diária
Foram salvar o gato à
espreita
Salvo pelo azar supersticioso do condutor
"matar uma morte
preta?"
Cada roda encadeia
Na consciência a ideia faceta
"Eu? Salvar o gato?"
"Mas é gato preto"
"Parar o tráfego?"
"Mas vai sem medo"
Era a pergunta em cada cabeça,
motorizada
Em cada forma que
tornava
o felino tolo
abobalhado
Morrer repartido pela borracha separando o seu
corpo
"Vou
não vou?"
Os homens pagavam aquela morte barata pela pressa
na vergonha da compaixão
felina
O gato entregue à cegueira da morte que cedo ou tarde
era sua sina
Um saco na cabeça e tudo pronto para a
guilhotina
De tanta fome deve ter se colocado lá sem
conseguir
Sair
Ou de tanta sorte eram os homens tolos que fizeram aquilo para
não parar de
rir
A roda do
lado
pensava em armadilha de
assalto
Controle remoto de um
gato
Desviou acelerou com pavor na cara
Gato assustado e carros
cambaleavam
Para não matar o único inocente na pista
Desviavam a atenção
disfarçavam
"Quero chegar logo em
casa!"
As crianças riam e
com medo do fim
torciam
Gato vivo, gato morto
Mas ninguém queria a transição
testemunhar
O segundo derradeiro de uma vida
parar
Os humanos também tinham olhos vendados
E não enxergavam a vida a que se aproximava
para
salvar
"Calma, a salvação já vem"
gritavam
Eu fui!
"É só retirar o saco!"
Os olhares
desviavam
E
eu
apanhei
os
meus pensamentos
Meus pensamentos
são como os carros
que vem e voltam
no caminho que
estou
Carros no asfalto
quente
que muito se
pisou
Os pés descalços
as solas apressadas
que por aqui
passou
Até o sangue derramado aqui
presente
Neste asfalto
quente
que aqui
estou
É o sangue do meu corpo
Que veio do
sol-nascente
que, agora, procura a sombra,
amanhã
seu calor
Do corpo gelado que sobrevive
calado
e o pensamento
parou
Parou o carro ao meu
lado
E o céu
estrelado
Que brilha como
caco
do para-brisa
Iluminado
à minha vista fadado
estou
Segue à risca como o risco de quem
arrisca
salvar o gato
Meus pensamentos
são como
carros
que param no caminho que
ficou
Ao observar o corpo
gelado
e calado
que não
mais sente
dor
Jayme Mathias Netto
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