domingo, 21 de fevereiro de 2021

Placa de desvendar




Eu sou um artista/pensador e proletariado. Não dependo de minha arte para sobreviver, dependo financeiramente de minha labuta como “prostituta do saber”. Quem sustenta a produção de minha arte é meu trabalho, não o público. A arte me dá sustança, nutre, coisa de estômago mesmo, de pele, de vida. Num dia mastigo letra, noutro rumino palavras. A arte que me sustém é a mesma que me devora, faz de mim sua matéria-prima.

Não escrevo para servir de consumo, embalagem, reciclagem, escrevo para incomodar, afetar, transbordar. Me desfaço em texto como córrego de rio para que a correnteza não deságue em mercadoria. A reificação de mim é coisa muita, habita o cosmos, alcança constelações estrelares, irrompe da rachadura na parede batida da casa de taipa. Já vi o que a indústria cultural provocou em grandes artistas, uma arte de plástico.

Temo um dia depender de minha arte para sobreviver e torná-la mercadoria. Existe no capitalismo uma perigosa relação de subserviência entre o artista e seus consumidores. A arte não deve ser definida pelo seu consumidor, o comprador exige que seu objeto seja de acordo com o seu gosto, sua satisfação. Mas a arte é onívora, ela devora o ser do humano fazendo dele coisa sua. Quando a obra toma corpo no mundo ela se desfaz dos rótulos, embalagens, dos valores, e fica ali, nua, lançada no berço do tempo e seus espaços dos agoras.


Paulo Victor de Albuquerque Silva

Um comentário:

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