domingo, 27 de dezembro de 2020
Meta
domingo, 20 de dezembro de 2020
Realidade turva
domingo, 13 de dezembro de 2020
Poetas são...
Poetas são pontes que ligam dois abismos.
Teleférico entre montes.
Fontes do livresco sem o livro.
Pontos críticos de um abalo sísmico.
Algoritmo que flutua entre verdade e opinião.
Falso silogismo entre escrita e noção.
Sentido sem direção.
Livre escoar da vida pelos cantos,
nos detalhes esquecidos,
nos prantos que secaram e ninguém viu.
São veneno e cura do mesmo mal, elixir amargo e mel doce para a dor banal do vazio.
Poetas são causa sem motivo
São choque sem aviso
e entram sem pedir licença,
ou nem chegam a dar o ar da graça.
São certeza que mata dúvidas e conferem nova vida às células que vivem túrgidas de solidão e acham que por isso estão sós.
Para depois engodar o peito em outros nós e dar a convicção de que nascemos e morremos sozinhos.
São mais de um mesmo que raramente se encontra, mas que facilmente se acha se olharmos com mais atenção aos detalhes.
Poetas são quando convém,
falam quando condiz
Àquilo que conduz ao alvorecer do espírito,
à conclusão de que "não precisa morrer pra verter luz"
nem ser pregado numa cruz online
para que a sua verdade seja ouvida.
Poetas são brasa que marcam na alma eterna cicatriz,
ou mesmo entram pelo ouvido e saem pelo outro.
Voltam pelo nariz como o ar para aqueles que respiram arte.
Um todo, em partes.
Universo particular,
partícula universal,
Região abissal do sentir.
São imperfeições perfeitas
Atmosfera rarefeita para o pétreo
Um sol prestes a se por e ensaiar o nascimento
Amantes da verdade e escravos da mentira
Soco seco na barriga
Projétil de alta precisão e calibre.
O deixar livre a ponta do lápis e dos dedos.
Malabares de palavras
Lavradores de fulgor
Fazedores de pirraça
Lavadores de amor.
Humor que muda a cada linha
Calafrio que percorre a espinha
e termina no cortex central.
Não almejam lucro, nem lacre.
Seu recitar está além das eras,
são o massacre daquele que venera a palavra estática.
Inimigos e amantes da gramática, somam versos onde um mais um é tudo, menos dois.
Fragmentos de um mosaico, matemática do caos.
Festim que fere de morte o orgulho do formal e do cômodo.
Poetas são e a felicidade fugaz inveja,
pois eles são brecha por onde passa o que permanece até depois de saciado o próximo desejo.
Acometem como num lampejo,
mas quando acertam o ventrículo, não há folículo na pele que não sinta sua presença.
Poetas são tanto e tão pouco
Que eu poderia escrever este poema para sempre ou não ter escrito uma letra ou pensamento solto sequer nesse bloco de notas.
Tantos e tão poucos
Hoje tidos como loucos
Pois usam da palavra para viver
Ainda assim.
Eles permanecem.
Pois em hipótese alguma meramente estão.
Poetas são! E sempre serão.
Júlio César
domingo, 6 de dezembro de 2020
Desperdício
No desdém que o cotidiano tem ao homem de pensamento, houve certa vez uma roda de conversas.
Estavam todos a gabarem-se de seus afazeres e ocupações que trazem o dinheiro, pois dessa forma é que todos querem muito poder.
Cada qual fervilhava no ardor quente das gabações e vantagens a serem contadas, esforçavam-se para chamar atenção do quanto eram aplicados em suas profissões.
- Sabe, fui promovido ontem e o chefe vai dá um churrasco pra gente comemorar lá na firma.
- Uau, isso merece um brinde com Chivas.
- Uau, é mesmo. Vou buscar.
E, por detrás das amarguras reais, um homem de pensamento apenas pensava:
"Quantos demônios ainda terei de expulsar de dentro de mim para que essas pestes saiam da minha vida? Quantos ainda tão desconhecidos vão me atormentar? Quero expulsá-los do nada para lugar nenhum para ver se ao menos sangram por algo que não seja preço e números. Não observo muito bem nenhum deles, mas existe ainda luz até no nada?"
No entanto, como que encerrando o assunto, aquelas cabeças voltaram-se com desprezo para ele que ao menos aparentemente e inocentemente nada fazia. E passaram a fazer valer o mal-estar de seu ócio.
Ao que o homem de vita contemplativa, para usar um termo mais filosófico, afirmou docemente - com ar de sobriedade de quem trouxe aqueles pensamentos de cumes bem altos e cheios de neve - e como quem odeia com modéstia suficiente para ser um guerreiro em palavras.
- Bem, eu vos responderia, não faço eu nada? Pois bem. Ousem, sair dessas fervuras egóicas, ousem sair de suas comodidades que querem tanto encobrir com finanças, isso que em excesso torna evidente a vossa insegurança. Ousem tecer em seus espíritos a liberdade, não essa de proatividade que tanto esquentam vossos couros com chibatadas abstratas que vocês se orgulham com o nome de trabalho, mas parecem mais macacos no trono cheio de lama! Ousem ministrar não respostas, afinal vocês têm muitas, mas perguntas silenciadas por conhecimentos que beiram a loucura. Ousem admitir a náusea da descoberta de uma ideia em seu corpo e, depois de muito tempo, ousem aquela suprema alegria, da ideia de gerar um modo de vida próprio, um valor próprio. Ao fazerem isso verão que jamais quem assim vive está de férias, jamais encerra o ato de pensar, jamais deixa de incomodar-se nem mesmo nos seus sonhos. Verão ainda que não temos quase nenhuma recompensa material. Nada que possam dizer férias. Nada que nos faça assumir de fato o orgulho de sequer "ter algo", pois percebemos o domínio que nos encobre e que nos utiliza como instrumento, bem como as entranhas capazes de nos fazerem forasteiros. E verão que tão hábeis para a guerra somos também hábeis para a fuga.
Calaram-se todos, desconversaram como covardes. Quem é lá debaixo não sente o fogo da coragem, querem sempre a novidade. Eles simplesmente mudaram de assunto. Enquanto ele ainda pensava:
"A vida nos pega pela mão e nos ajuda a entender da melhor forma que podemos, ela nos deu a melhor forma que podemos e o que há por aí é muito desperdício."