domingo, 26 de julho de 2020

De um trecho de A vila dos suicidas - Romance inédito


Mas ele (Isaque) resolvera viver sua aventura e não via ainda um prazo final se aproximando. Tomar aquela existência alternativa tinha sido um processo delicado. No começo, os velhos quase que enlouqueciam. Abandonar a faculdade de Arte visuais – coisa que eles já exprimiam certa dúvida como curso – parecia corroborar firmemente sua vocação para vagabundo. O irmão mais velho, orgulho de qualquer pai e mãe conservadores, entusiastas de padrões, dissera: “Eu entendo o cara pirar um tempo, mas essa de virar mendigo! Porra! Pensei que sua loucura máxima ia ficar só nesse curso sem futuro que você escolheu!” Isaque não deixou se abater. Foi em frente. Decidira viver grandes aventuras, ver o mundo e experimentar uma rotina diferente da grandíssima maioria dos cidadãos. Não bastava se aproximar de uma arte delimitada de um curso universitário. (...) Não tinha cobiça por dinheiro, mas por experiências e uma grande obra. Ia viver intensamente, prometeu a si mesmo. Transformar tudo em arte! Escrever um livro foda como o tinha feito Jack Kerouac, embora, diferente do escritor americano, apenas tivesse só tomado notas no aparelho celular ao invés de estar tentando preencher rolos e rolos de folhas escritas em máquina de escrever. Pretendia também tirar muitas fotos incríveis e fazer filmagens, no entanto, logo nos primeiros dias percebeu que não era viável andar com uma máquina fotográfica profissional. Ele se desfez do equipamento numa loja de penhores e mais uma vez se voltou para o smartphone como fonte de registro das viagens. Aos poucos o hábito de tirar fotos e fazer filmagens foi se reduzindo. Parecia que aquele novo tipo de vida se contentava só com os momentos e memórias (...) Tudo se resumia ao agora, deixava no máximo umas sobras para a memória. Como iria um dia fazer uma grande exposição de fotografia, desenhos ou pinturas sobre seus caminhos? E o livro? (...)
Sentou-se diante de sua barraca e começou a misturar a aguardente com o refrigerante, tomando longos goles e fumando. Uma prática bem comum no meio da malucada que deseja se embriagar e não dispõe de muito recurso no momento. Não demorou para que ficasse alterado e repleto de pensamentos negativos. Começou a se questionar sobre a vida que tomara. Quem sabe depois de alguns anos não se arrependeria de sua vida nômade? Antes de tudo, costumava romantizar as coisas, imaginando as interações incríveis que faria nos caminhos, do que faria em termos de registro. (...) Mas acabou não fazendo nada, deixando sempre para o outro dia e os anos já tinham se sucedido. Verdade que tivera experiências incríveis, conhecera modos de vida interessantíssimos, vira coisas maravilhosas e encontrado figuras na estrada que mais pareciam ter saído de um romance de Gabriel Garcia Márquez ou um filme hollywoodiano. Alegrias vagas e irresponsáveis, lugares lindos, discriminação, privações e um saldo neutro. Nada mal, porém, nada insuperável como uma vida dentro de On the road de Kerouac. Talvez ele fosse pretensioso demais. De fato, sempre se achava melhor que os outros malucos a sua volta. Suas pulseiras eram mais bonitas, ele sabia empreender, era educado, sofisticado, sabia tratar com todo tipo de gente, sem preconceitos e tranquilo. Provavelmente as coisas não eram como ele achava. Ilusão?

J.R.

5 comentários:

  1. Quero também ler o romance. Mas não pude evitar o viver de todos nós, com coisas incríveis para fazer e muitas vezes não podemos, por estarmos muitas vezes fora da forma. A escola é o melhor exemplo de adestramento.

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    1. Logo estará disponível em ebook, na Amazon... Qualquer coisa entra em contato comigo no Face que te mando por e-mail...

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Jayme, Júlio e Paulo.