domingo, 12 de abril de 2020

Illusion Serinus

Ergui para mim um ilha de cartas.
No pacífico sul da ilusão.
Ao pé de uma espatódea empilhei carta por carta, edifiquei uma a uma por década e meia...
De tão sozinho que era, criei também um amigo imaginário, na forma de um lindo canário, que me acordava todo dia a ouvir o seu canto.
Vivia solto, livre, dourado.
Fascinado pelo bater de suas asas e sua liberdade, a ele me prendi. Em seu canto me perdi assim como na incerteza de quem um dia fui. Nas frias noites, suas asas eram manto que me enrolava a alma, me trazia a calma de não ser mais só.
O EU passado, não queria mais,
era apenas EU, sozinho. O que importava agora era o passarinho, que de mim surgira, mas tão melhor era.
Continuei empilhando as cartas da minha ilha, era torná-la maravilha para o meu canário desbravar, para que ele sempre ali estivesse a cantarolar alegre, satisfeito. Que não encontrasse nenhum defeito, que o levasse a levantar vôo pra qualquer outro lugar.
Criatura minha, despejei nele toda alegria que me sobrava, meus planos expectativas passaram a ser seus. E como "és responsável por tudo que cativas", criei para mim mesmo um cativeiro do EU.
Como a lua com a terra, passei a orbitar em sua volta. Até que um dia como outro qualquer, sem nenhuma explicação, tsunami, ventania, minha ilha da magia, bomba relógio de teimosia, enfim desabou.
Todo o meu mundo planejado para o canário sucumbiu, olhei para cima e percebi, que no bater de suas asas meu mundo ruíu.
Sua plumagem dourada estava branca, lívida.
Me olhou uma última vez consternado como quem diz: "eu não posso mais."
E se foi, como uma brisa passageira.
Sequer sobrou uma pluma que a ele me remetesse.
Triste cenário, diante dos meus olhos se desfez.
Sem ilha, sem cartas, sem canário, sem aviso do soco que me atingiu a alma. Perdi a tez.
Preferi ser um outro que eu mesmo, e o outro se desfez perante mim. Como um personagem de jogo, que some ao desligar um console.
Menti para mim mesmo por todo esse tempo.
Nada me sobrou a não ser a lembrança do canário, saudade de alguém que por muito tempo amei e nunca existiu, remo no oceano, em busca de um pedaço de terra que seja real. Ainda que imerso nesse mar, em nada me sinto envolto, sigo a flutuar, preso embora solto, condenado ao que dizia Mia couto que o "Morto amado, nunca para de morrer."
Em dúvida entre nadar ou simplesmente afundar,
Miro meus olhos ao longe, algo se desenha em pé...

A espatódea era real.

Nado.

Júlio César 

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