domingo, 24 de abril de 2022

Quasimodo


Às vezes eu preferiria ser mudo. 
Que tentar mudar as bases do discurso, nem com força e paciência de um urso eu seria capaz.

Preferia ser surdo que ouvir os estalos de quadros pendurados plenas quatro horas da manhã, enquanto inspiro agoniado pela visita da inspiração.

Ser cego, a seguir o sinal que ressoa no suor que cai da testa no chão, a atestar que o fato de ser ciente, não exime a ciência frente ao senso comum. O sonso e o santo se diferem pela retidão do rumo que dão às suas vidas.

Entre idas e vindas, origem que finda no início, para fundar-se novamente e seguir o mesmo destino, o discurso segue, afundando o fundamento, afirmando o firmamento mais altivo do pódio mais laureado daquilo que se chama de verdade. 

Fomentando o fermento da réplica dialética, cada vez mais mal elaborada que o "porque não" de costume.
Enquanto a "aleteia" clama clemência do juízo da reta razão, que se usa na régua do terraplanista.
Que inocenta o culpado sem pistas de que o mesmo não cometera o delito que apontara o delator.

Queria não ter tato para segurar a chama olímpica do "bem" que tremulou bamba nas mãos trêmulas de Mohamed. 

Queria não me sentir obrigado a brigar pelo brado retumbante que partiu de lábios da fidalguia, para legitimar igualdade num mundo de oportunidades desiguais.
Nem ter experiência que tornasse possível prever que o que sucede, depende daquilo que precedeu.

Tudo isso emerge encadeado em cadeados lógicos, que aparecem entrelaçados em qualquer conversa de bar, com roupagens mais moderninhas. Jogos de linguagem, no linguajar da filosofia analítica.

Preferia não ter olfato a sentir o cheiro de queimado dos meus neurônios em mais um parco raciocínio que, vez ou outra, me leva a esses escombros insolucionáveis que se repetem como um erro na matrix.

Diante de tamanha complicação do simples, por vezes desanimo do pensar.
Desatino ou fato? 
Feto feito de receio, ressaca e rancor.
Que agora é dado a luz para eu parar de sentir a dor da angústia de ter olhado atrás da cortina.

E então, eis mais um Quasimodo, quase um modo de escrever como pintava Picasso. Em pedaços picados, fragmentos de dúvida duras como aço, que divido para, só agora, juntar.
Feito raspa do tacho.

Embora eu muito queira queixar-me por sentir, se não falasse, ouvisse, tocasse, visse ou cheirasse, eu nada quereria.
Nada escolheria, quando muito, daria a luz a esse discurso feio e caótico do qual agora me aproveito como um marginal da retórica.
Aproximar-me-ia pois de uma planta pronta pra repetir para sempre a mesma fotossíntese.

Que seja então feliz esse escrito, enquanto escondido permaneça, badalando os sinos da catedral da minha mente.

Júlio César

Um comentário:

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