domingo, 21 de outubro de 2018

Todo medo

Todo medo. Todo modo. Perigo de liberdade. Apenas quero ver. Liberdade do perigo. E te deixo livre. Como a louca borboleta esvoaçante, mãe terra quer paz.
Lagarta de traje colorido largada em cada curva-abismo. Cheiro de verde e gosto de clorofila. Ventos cortantes na proa de balançada asa e vejo a liberdade corrompida e ultrajante.
Qualquer coisa muda, muda de mudar não de que muda.
Eu ouço o sol maior da música inebriante dos metrôs. Um louco cruza o quarteirão fumando charuto descartável, plásitco e qualquer coisa vagabunda.
As molas do freio metálico do trem. A falta de força para parar o tempo. Ferrugem mantida para corroborar com a bem ordenação dos horários de abertura e fechamento dos estabelecimentos bem estabelecidos e do dinheiro enfiado em bolso mudo.
Da urbanoide fábrica de delírio pessoal e de contas para pagar. Desapercebido delírio meu de cada dia. Desencaixe.
Consumação da fábrica de cimento remota. Expele uma fumaça cuja duplicata esvoaçou até o comissariado da polícia.
O alvará de funcinamento permaneceu intacto.
E ninguém fez nada. "A fábrica funciona amanhã".
Chorava ele quando ainda achava que era livre. Triste pesar de uma segunda-feira.
Deu-me o último abraço antes de dormir e fui triste voltando.
Pressenti a dor vinda, que nada faz, o cimento é mais importante que o ar respirado.
E as nuvens negras permeiam uma manhã de calor.
Charles mete sua cara na manutenção do rotor lateral cíclico.
"Não fosse o alvará, puta merda!"
Ele tinha decorado o manual para passar no teste antes que a sogra jogasse de novo um balde de água fria todo dia para ele arrumar emprego.
"Bombas helicoidais e eixos de suporte",
falava disso dia e noite, sorrindo gordo de que teria futuro.
Disse que ia dar tudo certo agora que era homem de não se conformar, mas ser uma resitência viva.
Agora é pó! Meu deus, é pó! Que dor!
Ele queria o mundo artístico, a vagabundagem não permitida, mas a transição prima dos astros havia esquecido. Sol em gêmeos ou câncer. Dispensou.
Quando o cimento explodiu de puro pó em sua cara, a trepidação do eixo central expeliu como esperma queimado na fusão dos novecentos graus de calcário puro.
Reclamava seu supervisor que deveria evacuar em mil graus antes que a merda toda encerrasse. E o que adiantava?
Eu ouvi o papouco de longe e logo pensei na morte do peçonhento. Mas os melhores morrem primeiro.
Na mesma hora em que sua mulher exprimia pimenta no whisky, na fábrica de pimenta e molhos Mexicana.
Pensara em sacar-lhe no bolso um sachê para o marido que nunca mais viu.
O pó deixado sequer vale algo que se diga corpo. Os padrinhos de casamento de Charles e Ester, enquanto isso, chutavam os cachorros da porta principal do almoço voluntário aos presidiários de segurança máxima, amançados pela fuga geral que tramavam.
Quando souberam, olhavam frios a desgraça de serem sabotadores.
Deixavam escancarar a algazarra.
Os comissários de vôo da Catar saboreavam no céu de dor o champanhe borbulhante.
Enquanto filhas de shakes eram disvirginadas pelo ânus em nome da bendita fé e aclamados pela safadeza geral.
O fato é que o mundo expelia qualquer coisa de si.
Não tinha mais suporte nem grito. Nem reza nem lenda, nem o que mentir nem verdade.
E eu servia à comunidade cavando o buraco desigual da cova onde havia guardado uma carta do passado na minha cidade de infância.
Qualquer coisa me dava esperança de não ser. Ameaçavam-me os olhares vivos e prontos para apanhar-me cavando.
Cheiro de terra molhada e nada. Quente como suor que esquecia de evaporar.
Eu comia terra, barro, vapor e gases borbulhantes. O estouro pré-pronto nunca antes tinha sido coveiro de tão próximo olhar.
Cadê o filho da puta do Dijalma? "Metia seu pênis em qualquer lugar uma hora dessa". E quanto mais eu cavava mais lembrava disso tudo. Até que o abismo anteveio. Não era o outro lado. Era o nada.
O buraco se abriu sobre a terra e uma grande escuridão sacudiu o alarido. Qualquer coisa viria dali. Chamaram polícia, bombeiros, forças de segurança máxima e o verde cheiro do buraco, combatido desde quando o homem é homem e guardado.
Cheiro de guardado era o sentimento empoeirado. Virgem. Não tinha voz, não tinha cor, forma ou qualquer coisa.
Alguns perceberam a ameaça e implantaram sobre ele o fator central da vida.
Lágrimas e suor faziam combinações infindas. Mas era só a porra de um buraco. Esqueceram de enterrar Charles, irreconhecível. E eu chorava a dor de não ter onde cair morto.
Toupeira! Merda! Era o supervisor que eu enterrara. O tempo nunca volta,  mas eu já começava a me sentir criança. Negando na carcaça adulta do triste dia em que o conheci. E Charles escafedeu-se no ar.
A única coisa que eu fazia bem feito na vida, não fiz para ele. Ele deve ter pensado nisso. Susto puro de esperança. Fuga. Sem tempo. Escafedeu-se. Como a borboleta esvoaçante. Como o cheiro verde dessa joça, onde estão todos menos ele.

Por Jayme Mathias Netto
vivisseccao.blogspot.com

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